quinta-feira, 22 de março de 2012

Uma carta acerca da tolerância, ou: Por que ninguém tem paciência com os fumantes?

Por Erick Vasconcelos


O motivo pelo qual liberais clássicos como John Locke escreveram cartas acerca da tolerância foi porque eles reconheciam que era necessário o mínimo de respeito aos hábitos e crenças das outras pessoas para que uma sociedade pacífica fosse possível.

A ideia liberal clássica era que todo mundo poderia ter sua casa, sua família, seu trabalho e que, depois de suar durante o dia, poderia entrar na sua propriedade e louvar o seu deus sem ninguém encher o saco.

Não é à toa que os liberais sempre estiveram na vanguarda de lutas pelos direitos dos negros, das mulheres, dos homossexuais e de outras minorias - porque sabiam que sem uma esfera privada bem delineada em relação ao que é "público", fatalmente a gente cai em situações sociais de conflito.

Por exemplo, por conta da intolerância social com os usuários de drogas, o que temos é um combate bizarro a entorpecentes que custa uma bolada e mata milhares todo ano. Também foi assim quando os puritanos resolveram que as bebidas deveriam sumir da vida americana.

O argumento não é que você, pai de família honrado, respeitável e tradicional, tenha que receber os maconheiros em casa com toda a pompa, mas só que você não vai ficar fazendo barraco quando vir alguém com baseado na rua. Afinal, a vida é do maconheiro, deixa ele.

Assim, sob o liberalismo, todo o progresso social era no sentido de que os hábitos, mesmo os ruins, são privados, e ninguém tem nada a ver com isso.

Igualmente, qualquer boçal hoje em dia sabe que o cigarro faz mal, que seu uso excessivo pode causar câncer, além de, segundo as carteiras de cigarro, infarto, impotência, horror, gangrena, malformações fetais, derrame cerebral e todos os males da história (interessantemente, ninguém observa que o cigarro também traz vários efeitos psicológicos positivos, como relaxamento e tranquilidade).

Só que, apesar de a sociedade já ser bastante bem informada sobre o cigarro, e embora seja um hábito essencialmente privado (apesar do que tenta passar a propaganda exagerada sobre o "fumo passivo"), o tabaco continua sendo demonizado.

A Anvisa achou de proibir os cigarros com sabor, porque estimulam o fumo e podem levar os jovens a esse hábito objetivamente desprezível.

Não vou nem tentar argumentar contra isso, a coisa é palpavelmente absurda e qualquer zé neguinho consegue ver que a tendência não é das mais benévolas enquanto a Anvisa continuar baixando decreto dizendo o que 190 milhões de pessoas podem ou não consumir, principalmente em questões banais como o cigarro (e, diga-se, a questão de incentivar ou não o fumo de menores é absurdamente irrelevante e oportunista nesse caso).

Eu só vou observar que, apesar de várias pessoas de esquerda serem favoráveis à liberação de drogas e à não-criminalização de hábitos privados, os argumentos que eles usam dão munição para os super-burocratas da Anvisa. Enquanto a ideia adotada não for a de John Locke e seus amigos, lá de 1600 e bolinha, vamos continuar recebendo notícias pela manhã de que um dos nossos hábitos foi subitamente proibido e a gente nem viu.
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