terça-feira, 13 de março de 2012

Subterrâneos Inconfessos da Alma

Não conheço André Gravatá. Seu texto foi-me recomendado por uma amiga em comum. E ele toca, com aquela sinceridade necessária à literatura, algo real e profundo, uma arquibancada maligna que existe por baixo de nossa psique:

O resultado dos exames chegaram. Ela está abrindo o envelope exatamente agora. Não quero que a minha mulher esteja doente. Ela não quer que ela esteja doente. Mas, por um segundo, ou menos, ou menos do que menos de um segundo, chego a torcer para que ela esteja doente. 
Não vou dizer que já tenha partilhado desse desejo momentâneo específico, mas eu também tive e tenho diversos pensamentos inconfessáveis, alguns deles em momentos nos quais tê-los é verdadeiramente monstruoso. Quero crer, contudo, que todos os têm, e não os vejo como algo muito sério e nem revelador da pessoa (claro, aí entra uma concepção, digamos, otimista da natureza humana: o que há de mais verdadeiro na identidade do indivíduo é o que ele tem de bom, e não de mau, que é a degeneração de seu ser; espontaneamente, costuma-se pensar o contrário: é o "lado mau" que revela quem ele realmente é), e a não ser que virem algum tipo de neurose ou compulsão, não têm muita importância.

Dois parágrafos depois, contudo, o autor tenta caiar o sepulcro, embelezar o defunto. Em vão.
Os membros da arquibancada interna são menos maniqueístas do que o cérebro ocidental dentro de nós. A arquibancada construída nas nossas entranhas não deseja exatamente o mal. Ela torce apenas pela mudança...
Essa explicação definitivamente não cola. Se quisesse apenas mudança, quereria um bilhete premiado na loteria, ou que o exame revelasse que a mulher está grávida, e não o câncer, não a morte, não a destruição.

É justamente quando ele se põe a analisar a experiência que ele se afasta da realidade. "Nossos cérebros ocidentais" - pra falar isso foi preciso todo um colegial de aulas de história e literatura, mais uma faculdade, mais discussões com amigos das Humanas, etc. A arquibancada dentro de nós deseja o mal. Não necessariamente o mal moral (embora, frequentemente, ele também), mas aquilo que é mau, ou seja, destrutivo, para o objeto querido sobre o qual se pensa (que pode ser o próprio sujeito. Quem nunca pensou, segundos antes do metrô chegar até você, em dar um passo além...?). Mal moral é agir de forma errada, inadequada. Mas o mal considerado de forma pré-moral é tudo aquilo que é ruim para o objeto em questão. A falta d'água é um mal para a planta.

Muita gente tem um problema com o conceito de mal. Muitos fogem dele, se assegurando de que tem que ser uma invenção, uma construção cultural. Não é; o mal é universal. Do Budismo ao utilitarismo, fala-se nele, e pensa-se sobre ele. O homem é capaz de fazer o mal, e de desejar o mal, inclusive para quem ele ama; às vezes parece que há algo que até o empurra nessa direção.

Eu vejo isso como o primeiro reflexo, o primeiro movimento - anterior ao ato voluntário e portanto não-moral - da revolta de nossa irascibilidade (a capacidade da raiva e da agressividade, que em si é boa e que serve para que o indivíduo supere obstáculos e subjugue inimigos), uma revolta interna muito profunda e ancestral, que nos leva ao debate teológico sobre o pecado original. A irascibilidade desordenada é uma fonte do mal e do mal moral na nossa alma, embora não a única. Talvez ao teorizar sobre o assunto eu o empobreça, assim como ocorreu com o texto que me inspirou. Não creio, contudo, que eu o falsifique, como creio que o autor do texto falsificou.
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