Going Solo: The Extraordinary Rise and Surprising Appeal of Living Alone, de Eric Klinenberg, apresenta-nos com uma das mudanças demográficas mais significativas de nosso tempo: o crescimento sem precedentes do número de solteiros, isto é, pessoas que vivem sozinhas. Cada vez mais a vida solo deixa de ser uma transição entre a casa dos pais e a formação de uma nova família, tornando-se um estado duradouro ou até mesmo permanente. Solteiros sempre existiram, e mesmo hoje em dia essa vida pode ser escolhida por motivos muito diferentes: uma viúva idosa e um padre católico ambos entram na conta demográfica dos solteiros, mas não são esses que melhor representam o fenômeno. Quando falamos no grupo dos solteiros, pensamos nos adultos em idade profissional que vivem sozinhos por opção e que, embora via de regra se relacionem romanticamente, não pensam em constituir união duradoura com ninguém.
Klinenberg, que é ele próprio casado e pai de família, oscila entre a descrição desse fenômeno social, com seus custos e benefícios, e uma certa celebração do estilo de vida que ele preconiza. A mudança social é grande, mas a cultura e as instituições não parecem ter se adaptado plenamente a ela. Apesar de todas as séries de TV, o normal na mente da maioria das pessoas é a família nuclear. E por isso temos reações como a de Petronella Wyatt, jornalista britânica que gerou polêmica com o artigo “The state penalises women who are childless and unmarried: ‘I might be single, but I’m not a failure’”.
Muitas reações são possíveis a esse fenômeno social e cultural; uma delas é a já citada celebração. Outra, a de Benjamin Schwartz escrevendo para a The American Interest (“Selfishness as Virtue”), é a indignação moral. Para Schwartz, essa mudança social é sintoma do egoísmo e do individualismo que tomaram conta de nossa sociedade e agora estão para dar-lhe um fim. Diferentemente de nossos antepassados (e dos valores supostamente legados pelos Founding Fathers), que se sacrificavam para constituir famílias e se reproduzir, o homem contemporâneo pensa demais em si mesmo, e por isso é incapaz desse ato de autonegação.
Schwartz faz pelo menos dois pontos que me parecem bons: o primeiro é que a prevalência de solteiros como unidade residencial mais comum tem implicações sérias para um outro dado muito relevante da demografia atual: a geração e a formação dos filhos. Seja boa ou seja má, a instituição da família nuclear é um arranjo reproduzível ao longo das gerações; isto é, ela se repõe. Já os solteiros convictos, a não ser que criar um filho sozinho vire prática quase universal, dificilmente repõem a população.
Mas não é justo esperar que alguém escolha seu modo de vida baseado num cálculo global do que é melhor para a perpetuação da espécie, ainda mais hoje em dia, quando, apesar dos alarmismos de ambos os lados, nem a super e nem a subpopulação apresentam perigos iminentes. A decisão só pode depender da consideração intrínseca dos diferentes modos de vida; de uma análise honesta, humana, de seus prós e contras, não para a população global, mas para o indivíduo que os vive.
E é nessa questão que o artigo de Schwartz, embora faça inicialmente um bom ponto, perde o rumo. Onde ele acerta: há algo faltando na concepção de felicidade que Klinenberg e, aparentemente, muitos dos modernos “solteiros”, buscam. Pois quais são os indicadores positivos que Klinenberg elenca para mostrar os benefícios da vida a um? “Eles têm maior probabilidade de comer fora de casa, se exercitar, participar de aulas de arte e de música, assistir eventos e palestras e participar de algum tipo de voluntariado”. Em outro momento, um indivíduo que se separou e hoje vive sozinho e que foi entrevistado para o livro, conta alguns dos benefícios da nova vida, em que ele desfruta tudo aquilo de que o casamento lhe privara: sai com mulheres diferentes, fica fora de casa até tarde, assiste esportes na TV, vê filmes, sai com amigos. Ao mesmo tempo, o espectro da solidão está sempre à espreita. O grande dilema é se ele será afugentado com um filho ou (o que Klinenberg julga ser a opção de menor custo) um bicho de estimação. Em outras palavras, parece que há algo de muito inseguro na felicidade solteira.
Será que a vida deve ser levada de maneira tão leve? Será que o indivíduo, quando chegar ao fim da vida, olhará para trás e para frente sem arrependimentos? Uma pergunta difícil e que cabe a cada um responder por conta própria. A mim chama a atenção, por exemplo, que todos os elementos citados acima se refiram ao consumo, e não à produção; a felicidade é buscada nas coisas que o mundo traz para nós, e não naquilo que nós podemos criar, cultivar e alterar no mundo (mesmo o voluntariado, a não ser quando encarado como uma verdadeira vocação, acaba sendo mais uma forma de uso do tempo livre; importante para quem o faz, sim, mas que não cria um legado duradouro). O solteiro tem mais facilidade para o consumo; mas e para a produção (tanto em termos materiais quanto intelectuais e pessoais)? São coisas a se pensar.
Schwartz, contudo, não vê essa escolha de modos de vida como uma escolha entre diferentes formas de se buscar a felicidade; para ele, trata-se de uma escolha entre o bem moral de um lado, e a satisfação individual de outro. E por isso sua grande conclusão parece resumir-se num suspiro: “Que época imoral a nossa! Se ao menos os homens abandonassem seus sonhos de felicidade e seguissem as tradições dos bons e velhos tempos”. Ao se colocar assim diante do problema, Schwartz já deu uma resposta muito clara; mas não é a resposta que ele gostaria de ter dado.
A mera conformidade ao que era feito no passado não é virtude alguma. E se os Founding Fathers e toda a tradição multimilenar estivessem errados nesses pontos? Já o estiveram em outros. Ou talvez a vida em família (primeiro a família estendida, e depois a nuclear) fosse uma triste necessidade em épocas e sociedades mais pobres, em que uma rede de proteção era sempre necessária. Mas como vivemos em tempos mais ricos, ou como essa rede de proteção agora vem de outras fontes (o Estado, por exemplo), os altos custos de se manter essas instituições naturais não vale mais a pena; viraram sacrifícios sem propósito. Não estou dizendo que acredito nisso; estou dizendo que é, a princípio, uma possibilidade. E se assim for, nada garante que as escolhas de nossos antepassados sejam as melhores para nós.
O moralismo de Schwartz (que não é só dele; é a coisa mais comum do mundo entre as pessoas que não gostam da ideia de uma mulher de 50 anos que nunca tenha se casado ou virado freira) é inútil como persuasão. Quem já considera o fim da instituição familiar algo ruim concordará com ele, mas quem quer a vida de solteiro jamais a deixará de buscá-la só porque as gerações passadas, a Bíblia ou os Founding Fathers não pensavam assim. Seu único efeito é o de fortalecer o que ele visa atacar: pois se a escolha entre família e vida de solteiro é uma escolha entre se sacrificar ou buscar a felicidade, então já se concedeu o principal: a felicidade está na vida de solteiro; o resto é gente querendo estragar a festa.
O que falta na resenha é uma comparação – ou melhor, um convite à comparação, que tem que ser feita por cada um para sua própria vida – sóbria, sem julgamentos e condenações, de diferentes modelos de vida que nos são propostos. O que a vida de solteiro proporciona, e o que ela custa?
Uma mudança de comportamentos, se algum dia vier, virá porque os indivíduos passam a ver nos bens da vida a dois e em família algo superior aos benefícios da vida de solteiro. O ideal de não criar laços humanos profundos, que por sua vez trazem responsabilidades e portanto limitam o quanto cada um pode satisfazer desejos imediatos, tem seus custos. O conceito econômico de custo de oportunidade aqui se faz útil: os benefícios que se deixou de receber ao não se agir de determinada maneira. Ao se escolher um caminho com menos responsabilidades, perde-se aquilo pelo qual as responsabilidades existem. E pelo quê elas existem? Para que possamos melhor imitar as gerações que já morreram? Para que possamos repor a população global? Sem responder a isso, todo o moralismo apenas fortalece o que ele visa a atacar.
Quando os valores desses laços, da amizade mais profunda, do matrimônio e da paternidade/maternidade forem recuperados, daí sim talvez vejamos mais pessoas escolhendo modos de vida compatíveis com a continuidade a longo prazo da espécie humana. E não por algum sentido de dever para com os antepassados, ou porque isso é afirmado por algum livro sagrado, mas porque é a melhor vida que elas podem buscar.
Não há como negar a importância secundária de tradições para ajudar na vida humana. Elas dão um incentivo a mais para se agir mesmo quando não se vê claramente o bem pelo qual se age; uma certa confiança no que nos foi ensinado e que ajuda a viver bem mesmo nas fases de dúvida. Mas não podem nunca constituir o motivo central de se viver de uma determinada maneira, ou certamente virarão aquilo que tantos sermões as fazem parecer: obrigações pesadas e sem qualquer finalidade que não o se adequar a algum modelo inventado sabe-se lá por que antepassado nosso no neolítico.
Se se casar, ter filhos e educá-los for algo bom, se for a fonte de uma das maiores e mais profundas felicidades possíveis nesta vida, então a decisão de se fazê-lo não precisa – e não deve – ser motivada pelo sentido de obrigação, de dever, de sacrifício. A perspectiva do sacrifício é apenas uma consideração parcial: para se alcançar esses bens, é preciso abrir mão de outros – por exemplo, da liberdade de ficar fora de casa até tarde qualquer dia da semana. Mas se essa escolha é baseada na convicção, ou na confiança, de que se está trocando um bem menor por um maior, então ela é antes, e essencialmente, um grande ganho para o indivíduo, e não uma forma de autossacrifício.
Encarar a vida em família como um sacrifício me parece puxar o tapete dessa escolha. Pois são justamente aquelas ações feitas contra nosso melhor julgamento, e escolhidas para se conformar ao que os outros esperam (ou ao que nossa projeção pessoal de uma opinião externa diz), que causam mais arrependimento e ressentimento. E daí sou levado a indagar: o tipo de reação moralista maldosa às escolhas dos novos solteiros, não viria exatamente de quem, partilhando dos mesmos valores e ideais, não teve coragem de fazer as mesmas escolhas? Benjamin Schwartz acaba, portanto, tendo um efeito dúbio na defesa da instituição da família.
Se a família depende de que abramos mãos de nossos sonhos e ideais, daquilo que há de melhor em nós, para que o mundo continue a se reproduzir, ela está fadada a desaparecer. Mas, se a família for justamente um componente de nossa felicidade mais profunda e uma estrutura que permita a realização de nossos melhores sonhos e ideais (de consumo e, principalmente, de produção), então ela não sairá de cena tão facilmente. Seja qual for a escolha que cada um faça, parece-me certo que, para os melhores, ela será tomada com base na percepção pessoal do que é o melhor, e não evitada com uma rendição automática à prática de gerações passadas ou às expectativas dos seriados da Sony.