domingo, 29 de julho de 2012

Confessionário no Parque Buenos Aires


I

Porque só tenho vinte e quatro anos,
boa parte deles desvivida às cegas,
impressiona-me este parque, os pombos
de andar nobre e pescoços cintilantes

e também a aparência de felizes
dessas famílias, cachorros, crianças.
Vim aqui hoje para andar um pouco,
sabendo bem que ao invés de exercícios

eu ficaria sentada num banco,
longe do sol. Mas vim sem maquiagem,
vim com os cachos molhados, sem vaidade,
e não sei bem o que isso justifica.

Basta dizer que empreendi tal viagem
dos confins do meu quarto à rua aberta
(e antes do meio-dia, ó que coragem!)
para buscar no mundo o que a desdita

(a doença interior) me intercepta.
É preciso por vezes ver a vida
limpa de lágrimas, de abstrações,
chocar os olhos com as coisas ridículas

mas que são afinal a solução
para os problemas que a mente inexplica.
Porque só tenho vinte e quatro anos,
medo de quase tudo e muita fome,

andar a esmo às vezes é bendita
resolução, como a que tive hoje.
Trouxe comigo “O Mundo Como Ideia”,
li de passagem uns dois ou três poemas,

mas senti logo água vazar dos olhos,
como se com saudades do poeta
que eu nunca conheci, que eu nem vi morto
como o viu meu amigo Diego Ivo.

Se bem que, se tivesse tido a chance
de ir ao “escandaloso funeral”,
também não tinha ido, pois me espantam
as coisas findas, esse afã final

que por algum motivo ataca a tudo.
Talvez para entendê-lo e suportá-lo
me falte a força ainda, o ter vivido.
Porque só tenho vinte e quatro anos

e nunca tive o amigo Tolentino.


II

Nunca te vi, Bruno, sequer de longe,
numa palestra, ou conferência, ou festa,
nunca te vi como os que viram e contam
hoje da tua fala franca, aberta.

E, incrível que pareça, não é tanto
o poeta que tu foste o que eu queria
ter tido por perto uma vez que fosse,
antes o homem, o ser humano, o guia,

um avô talvez, um amigo, um complemento
apaziguante das ideias fixas
que me preenchem horas de sofrimento.
Digo que um complemento porque fito

esses poemas teus que em mim refletem
(no mal em mim), mas também têm um alento,
coisa de quem viveu e tomou tento
da vida mesma, não somente em versos,

vida domada à força pela crina,
e emendando as réstias de mistério
que escapam por quaisquer vagas cortinas
compôs cristais inteiros. São remédios,

são como antídotos aos tempos tísicos
em que vivemos novo mal-do-século,
porém sem já saber como imprimi-lo
em poesia que valha um milésimo

de quanto há condensado nos teus versos.
(Por onde anda a luz de Tolentino?
Resta nos livros, mas será só isso?
Se eu sei senti-lo, não será que vive?)


III


Por fim, no epílogo ao confessionário
que armei entre árvores, gentes e pombos,
eis um adendo ainda necessário:
esse poema meu não é pilhérico,

mas como a rima ele mesmo escolheu,
dedico esses versos finais ao Érico,
poeta grande que ao Bruno alegrou
com a esperança de um viço tão jovem.

Pensemos nos poetas do futuro
(seguramente assim Bruno pensou)
quando ao redor demorarem a dar frutos
as plantas ressequidas que ora soam.

Eu mesma não sei se serei poeta,
só sei dessa alegria que me inventa
mil e um motivos para refazer
e desfazer até engendrar num verso

a coisa implícita que me impregnou.
Vai que lá em frente essa coisa mesmíssima
atenta um outro, coitado, que, só,
será tão só quanto eu nesta manhã

antes do parque, da herança do Bruno.
Havemos que alentar nosso futuro;
se boca pouca foi o que nos sobrou,
façamos dela a pequenina herança,

quem sabe dela não nasça outro Bruno
(já vimos que em 2000 escreve um Érico!),
e ainda de quebra vai-se-nos a angústia
ludibriada n’alguns tortos versos.
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