por Horácio Neiva
Por muito tempo hesitei em escrever este texto. E a verdade é que ainda estou hesitante. Quero crer que o motivo da hesitação é minha tendência natural a evitar confrontos diretos, sejam reais ou virtuais, e restringir todo e qualquer tipo de discussão àqueles círculos onde elas menos causam danos (e, em verdade, menos surtem efeitos) — os círculos de amigos. Essa tendência, junto a uma certa autoimagem que nutro de mim mesmo segundo a qual o mundo não precisa perder tempo com minhas opiniões, foram contrapesos fortes o suficientes para impedir que meus pensamentos tomassem a forma de textos, o que por certo preservou a humanidade dos delírios de uma cabecinha juvenil. Thank to them.
Mas algo mudou. Continuo evitando confrontos, e continuo não tendo uma autoimagem muito pomposa de mim mesmo. Então, Horácio, de que se trata essa mudança? Digo-lhes agora: eu não sou um conservador. Ou pelo menos, não sou mais. O que vai a seguir é a história (resumida, não se preocupem) de minha segunda conversão.
Antes de continuar, no entanto, devo tranquilizar meus amigos, acostumados que são à minhas opiniões supostamente conservadoras nas nossas conversas em privado. Não mudei minhas opiniões, ou pelo menos não as mudei em geral. Apenas não me identifico mais com nenhum grupo — conservador ou progressista — porque, afinal, ninguém deveria fazê-lo.
Não sou um conservador. Mas não se preocupem: não sou um progressista, nem um comunista, nem um anarquista. Não me joguem pedras, por favor. A grande descoberta que fiz, o motivo real de minha segunda conversão, foi essa: ninguém deve ser conservador, progressista ou o que quer que seja. Uma agenda ou um credo político não são, até onde sei, critérios de veracidade para nossas crenças e opiniões.
Não sou contrário ao aborto por ser um conservador. Não sou contrário aos excessos de intervenção estatal por ser um liberal. E o fato de não achar que quem vota no PT é um monstro moral não me torna um esquerdista inveterado. Simples, não?
Nem tanto. Dificilmente alguém negaria que devemos testar nossas opiniões no tribunal da razão (e, para os que creem, da fé); dificilmente alguém sustentaria que defende tal ou qual opinião porque ela é adequada às crenças de um determinado grupo. Ninguém diz que é contra o casamento gay porque "essa é a opinião conservadora a respeito do casamento gay". Isso é óbvio. Não estaria eu dando a obviedades ares de descoberta científica? Sim e não.
Sim porque, de fato, é uma obviedade que devemos ter opiniões que julgamos verdadeiras, não opiniões que julgamos conservadoras. E não porque essa obviedade parece ter sido esquecida no que podemos chamar (sem muita precisão, é verdade) de conservadorismo brasileiro.
E isso me leva a um segundo ponto. Como já ficou claro, é do conservadorismo que quero tratar. Deixemos progressistas, comunistas e tudo mais para outra oportunidade. Pois bem: eu não sei mais o que é conservadorismo. Nunca soube, na verdade. Portanto, não posso ser algo que não sei o que é. Como cheguei a essa conclusão? É o que vai a seguir.
Como todo bom conservador de vinte anos de idade, eu não nasci conservador. Passei a maior parte da minha juventude alheio aos grandes problemas da civilização ocidental. Passar no vestibular era para mim uma preocupação mais importante do que conter o avanço comunista global. Também não tinha grandes tormentos espirituais. Não estava em busca de uma resposta para o sentido da vida e, salvo um curto período de ateísmo bocó, sempre fui católico.
Parênteses: é interessante como alguns jovens conservadores gostam de romantizar a própria biografia. Um certo espírito de rebeldia juvenil que todos temos em algum momento de nossas vidas torna-se um "negro passado esquerdista"; o desconforto com missas demoradas torna-se um "negro passado ateísta"; um livro de Nietzche e alguns CDs de Heavy Metal tornam-se um "negro passado niilista". Antes que me acusem de estar falando de terceiros, confesso desde logo que por muito tempo fui um desses "jovens conservadores" que romantizam a própria biografia. Mas isso não é importante. Fecha parênteses.
Para abreviar as coisas, passei no vestibular (valeu a pena abster-me de combater o comunismo), ingressei na faculdade e, finalmente, tinha tempo para dedicar-me ao que era realmente importante — filmes e internet. A coisa poderia ter seguido assim por uns bons cinco anos, afinal, não é muito difícil formar-se em Direito. Mas houve uma pedra no caminho. E a pedra foi um professor de Filosofia. Esse professor de alguma forma me despertou o interesse pela Filosofia, e antes que os conservadores dirijam-lhe o pior xingamento da lista de xingamentos do conservadorismo brasileiro ("Professor universitário!"), apresso-me em dizer que ele era (e é) um excelente professor.
Eu poderia agora dizer que meu professor desencadeou em mim o desejo latente pela Verdade, que tocou o interior da minha alma ou que se operou uma mudança no meu espírito, mas estaria romanceando meu passado. Não houve esse tipo lirismo. Comecei a ler livros de filosofia, interessei-me pelo assunto e prossegui estudando.
Lia livros de forma desordenada e, na verdade, não estava ciente de nenhuma debacle cultural. Um amigo me introduziu a algumas leituras conservadoras, gostei do que li, e daí para o conservadorismo inveterado foi um pulo. Por que estou dizendo isso? Porque eu, como aliás muita gente, não chegou ao conservadorismo por uma percepção profunda do mal estar moderno, dos males do progressismo, pela decadência cultural que nos assola a vida e o espírito. Cheguei ao conservadorismo de forma natural, prosaica até. Li alguns textos, depois alguns livros, aquilo me parecia bem escrito e bem argumentado, então concordei.
Tornei-me um conservador. Ou pelo menos, era o que eu dizia. Passei a criticar os males modernos que nunca vi, passei a propalar a decadência da civilização que nunca percebi, e a defender um retorno à tradição que eu jamais conheci. Adotei uma opinião conservadora, depois outra, e mais outra. Ao final, adotei o conservadorismo puro e simples. Se o conservadorismo estava certo a respeito de x, se estava certo a respeito de y, deveria estar certo a respeito de tudo. Eu não queria ter opiniões corretas. Queria ter opiniões conservadoras.
No início, ainda havia um pouco de sanidade. Nunca havia parado para considerar os argumentos contra ou a favor do aborto. Ao tornar-me um conservador, resolvi pensar a respeito (para os que não sabem, é uma obrigação conservadora). Acredito que tornei-me contrário ao aborto por considerar essa a posição correta, mas, olhando para trás, já não sei se o fiz por considerar essa a posição conservadora. Em matéria econômica, passei a defender o estado mínimo, é claro. Mas confesso agora que tudo que li na época foram textos de "autores liberais". Não fui convencido, porque não precisei ser convencido. Só conhecia um dos lados da questão e não era difícil posicionar-me. E assim prossegui, percorrendo o glorioso caminho conservador: lendo apenas autores conservadores, considerando apenas as opiniões conservadoras, e criticando qualquer autor não conservador (o fato de eu não tê-los lido era irrelevante).
Em poucos meses eu não era só um conservador. Era um cruzado, detido apenas por aquela tendência que apontei anteriormente. Meu verbo favorito era "pontificar". Não bastava eu mesmo ter-me tornado um conservador. Aqueles que não eram (porque simplesmente não estavam preocupados com isso), estavam no erro, na mentira, eram almas pervertidas que deveriam ser convertidas. Não bastava o Bispo de Roma ser infalível. Eu mesmo deveria ser infalível. Afinal, não era disso que se tratava o conservadorismo?
Essa foi minha primeira conversão. O que me tornei após ela? Acreditava que havia me tornado mais inteligente, mais instruído, talvez até um spoudaios, como eu mesmo gostava de dizer. Nada mais longe da verdade. Se me tornei algo, foi um dogmático fundamentalista. Ou, para ser mais direto, um chato de galocha.
Havia, obviamente, algo de errado com o conservadorismo, ou pelo menos com o meu conservadorismo: ele tornara-se uma visão de mundo. Uma vez tendo adotado-a, raciocinava apenas dentro das categorias conservadoras, se é que raciocinava. Quando me pediam uma opinião sobre um assunto que ainda não havia considerado, ia para casa e pesquisava nas minhas fontes conservadoras. Não discutia o mérito do problema — não era preciso.
Meu conservadorismo era marcado por alguns traços distintivos: ele era anticientífico e antiacadêmico. Anticientífico não porque rejeitasse uma espécie de "ideologia cientificista" (se é que há algo do tipo) ou o que se tem chamado de "naturalismo", mas porque rejeitava os resultados obtidos pela ciência (resultados concretos, vale lembrar) quando eles fossem de encontro a alguma posição conservadora; antiacadêmico porque tudo que viesse de alguma universidade, nacional ou estrangeira, simplesmente estava errado. Todos os acadêmicos profissionais do mundo estavam iludidos, na mentira, sem a exata noção do atual estado de coisas. Não passava pela minha cabeça que muitos deles já haviam lido tudo que eu tinha lido. Se o tivessem feito, pensava eu, teriam tornado-se conservadores (e provavelmente abandonado a academia).
Mas o traço principal, o traço mais importante do meu conservadorismo, é que passei a propagar, sem muita reflexão, o "elogio da tradição". O teste da verdade era agora o teste do tempo. Mas será que isso era realmente verdade? Não importava. Essa era uma questão proibida para um conservador. A tradição, tal qual a trindade, tornara-se um dogma de fé. O problema? Eu não sabia realmente a que tradição estava me referindo. É claro que, como era um conservador, dizia ser a "tradição judaico-cristã ocidental", que jurara proteger com todas as minhas forças, e com toda a minha alma. Instituições como a escravidão e a tortura, igualmente aprovadas no rigoroso teste do tempo, não entravam na conta. A razão? Algum autor conservador provavelmente as excluiu.
O leitor deve estar agora pensando que estou sendo muito rígido comigo mesmo, provavelmente exagerando alguns traços da biografia, e atacando um espantalho que chamei de conservadorismo. Quanto às duas primeiras preocupações, devo tranquilizar o leitor. Não estou sendo rígido, nem exagerado (ok, talvez um pouco). Isso não importa. O que importa realmente é a última preocupação: esta caricatura de conservadorismo não é o verdadeiro conservadorismo. Estou dizendo que era um conservador, mas na verdade era um idiota. Um genuíno conservador é coisa bastante diferente.
Concedo, sem constrangimento, todas essas colocações. Mas quero também levantar uma questão: o que, afinal, é o conservadorismo? Este não é o espaço para discorrer sobre esse tema. Meu ponto com essa pergunta é outro: os nossos jovens conservadores não sabem o que é conservadorismo. Pior: não fazem questão de saber.
"O fato de você não saber o que é não significa que os outros conservadores não o saibam", pode retorquir o leitor. Bem, isso é verdade. Talvez eu esteja generalizando demais, tomando o meu próprio caso como se representasse todos os casos. Posso estar enganado, o que admito (afinal, não sou um conservador). Escrevi essas linhas excessivamente autobiográficas para mostrar o meu caso. Será que o leitor pode achar outros casos parecidos? Talvez um amigo, um conhecido — talvez você mesmo, quem sabe?
O que ouço em conversas e, principalmente, vejo nas redes sociais, parece indicar que casos como o meu não são raros, nem mesmo exceções. Quem já discutiu com um conservador de vinte anos sabe do que estou falando. Mas não serei injusto: há conservadores diferentes, mais inteligentes do que eu sou (e fui). O leitor pode procurá-los (mas aviso que o esforço será grande). Eles é que são a exceção. Ou, pelo menos, tornaram-se a exceção. A regra é o mesmo tipo de conservador que eu já fui, e se esses conservadores dão alguma ideia do que é, realmente, o conservadorismo, devo dizer que ele não passa de birra juvenil.
Como deixei de ser um conservador, está na hora de perguntar? Quais as circunstâncias da minha segunda conversão? Sinto desapontá-los mais uma vez: deixei de ser um conservador da mesma maneira que me tornei um — de forma prosaica e natural. Se houve algo de diferente, um clímax se quiserem, foi um estalo, que não recordo quando ocorreu: e se eu estiver completamente errado? Se tudo que estive defendendo não passar de erros grosseiros, mentiras, ilusões? Essa dúvida foi suficiente para afastar-me do conservadorismo — conservadores não têm dúvidas.
Desde que me tornei um ex-conservador, confesso que senti-me aliviado. Pude finalmente ler livros sem precisar saber de antemão se os autores eram ou não "de direita". Pude considerar os argumentos a favor de diversas opiniões, sem precisar aceitá-los ou rejeitá-los pelo seu pedigree. Formar uma opinião tornou-se mais difícil, é verdade; mas a vida tornou-se mais leve.
Espero que meus amigos conservadores (os bons conservadores) não se sintam ofendidos com esse texto. Não estou criticando o conservadorismo enquanto tal. Estou criticando um certo tipo particular de conservador, aquele conservador que eu mesmo fui e que vejo muitas pessoas ainda sendo. Gostaria de que os bons conservadores provassem que estou errado, que eu era uma exceção, afinal. Temo, no entanto, que isso não irá ocorrer. Caso ocorra — bem, isso ainda valerá como um relato autobiográfico.
No final das contas, talvez nossas posições políticas sejam como a felicidade: só podemos dizer de alguém que foi realmente um conservador no momento de sua morte. Até lá, sempre é possível discordar, rever nossas opiniões, reconsiderar nossas crenças, pensar fora da cartilha. Se, no fim, acontecer de termos opiniões conservadoras, será uma coincidência — e nada mais.
Por que deveríamos ser conservadores (ou progressistas, ou o que quer que seja)? Por que não ser, simplesmente, amantes da verdade?