No meu artigo passado ("Briga no Circo"), usei um fato recente, uma manifestação do Instituto Plínio Correia de Oliveira e a reação de jovens de esquerda, como ilustração de algo que me parece onipresente nos embates ideológicos de nossa cultura: o desejo de provocar no lado adversário (e todo movimento tem seus adversários, ciosamente cultivados) uma reação violenta, que justifica automaticamente a causa do lado agredido. As manifestações públicas praticamente todas visam a criar animosidade, e tornar verdadeira a ditadura adversária (teocrática ou gayzista) que o os partidários da causa juram que existem. Claro que ninguém quer, conscientemente e de forma plena, apanhar. A coisa é contraditória mesmo: quer-se, ao mesmo tempo, sair ileso de uma grande aventura, e sofrer uma agressão tão gritante que consagre a santidade de sua causa aos olhos de todo o universo. Bem sei que os simpatizantes da causa conservadora têm feito bom uso das agressões e xingamentos sofridos pelo IPCO; nada melhor do que isso para tentar convencer a opinião pública dos horrores da "ditadura gayzista".
Claro que nenhum movimento é só isso. É perfeitamente coerente que o IPCO quisesse, também, distribuir panfletos (aliás, sabendo que seus panfletos e a própria forma com que se expressa - "Cruzada pela Família", "Buzine pelo Casamento Tradicional" - visam exatamente a criar uma reação em todos os que têm radar anticonservador) e que, ao mesmo tempo, estivessem fardados e portando tambores e gaitas de foles.
Vejo, contudo, que cometi uma injustiça flagrante no artigo. Pois se por um lado é fato que o IPCO queria, e vive para, enfrentar inimigos, criando-os quando necessário - correndo assim o risco de reduzir o Cristianismo a uma facção de uma briga política e cultural -, também é um fato que, em suas manifestações, ele nunca deixa de se pautar por duas normas de conduta: a legalidade e a civilidade. É possível agir perfeitamente dentro da lei e não ser nada civil ou civilizado. É bem capaz que o jovem sem camisa que ficou berrando, xingando e rebolando na frente dos membros do IPCO não tenha quebrado lei nenhuma; mas agiu como um animal. Os demais manifestantes do lado dele não fizeram muito diferente.
Posso não simpatizar em nada com as posições ou, na verdade, com a maneira com que ele expressa suas posições, mas reconheço que sua forma de atuação, ainda que provocativa, é civilizada, e a de seus adversários não foi. Por isso mesmo acho que não só eu mas qualquer pessoa sente uma certa compaixão pelos manifestantes do IPCO ao fim do vídeo, que foram tratados de forma baixa pelos jovens animalescos e fora de controle que se uniram para enfrentá-los. Isso sem falar da agressão, essa sim certamente ilegal, de um desses jovens que jogou uma pedra e feriu o membro do IPCO. Espero que esse criminoso seja levado à Justiça. Ele e seus comparsas deram mostras de ser justamente aquilo contra o que o IPCO professa lutar: uma malta degenerada, verdadeira escória moral e intelectual de nossa sociedade, evidência viva daquele lugar-comum conservador: a decadência da civilização.
Meu objetivo, na verdade, não era falar do IPCO, mas usá-los como uma ilustração de um fenômeno cultural. Por isso mesmo que, depois de citá-los nos parágrafos iniciais, passei a outros exemplos e não mais voltei a eles. A ilustração era deliberadamente provocativa da minha parte, pois bem sei que quem nos lê tende a admirar mais o IPCO do que seus oponentes; grande parte da revolta contra o texto se deveu a essa parcialidade sectária dos leitores. Ao mesmo tempo, reconheço que acabei carregando demais na mão contra eles e, o que é pior, fui injusto ao não chamar atenção para essa desigualdade gritante nas formas de atuação: o IPCO agiu dentro da legalidade, e além disso foi civilizado e pacífico. Seus adversários, não.