quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Briga no Circo


Os membros do IPCO que foram hostilizados em Curitiba conseguiram o que queriam. Ou quase.



O desejo deles, que é o desejo de qualquer passeata hoje em dia, era ser fisicamente agredidos. Ao ser agredido, o manifestante, que antes era só um mal-educado, vira um mártir, e já pode sonhar com a glória suprema: o direito de apontar um dedo acusatório. Isso vale para os ocupantes da reitoria da USP, para os que marcham pela maconha, e para a TFP também. Ser agredido é, em nossos tempos de alta exposição midiática, vitória automática. Quem é agredido é vítima, e a vítima tem sempre razão e deve ser admirada como exemplo de virtude. Nosso ideal político é o coitado, o explorado, o oprimido; pois ele implica que o adversário é o explorador e opressor. Há lutas de classe para todos os gostos. 

Fez passeata e não apareceu ninguém pra te jogar uma pedrinha na cabeça? Nem um soco? Puxa, não gritaram nem um palavrão para você? Que pena que não deu certo!

Na falta da agressão física, o IPCO pode tentar auferir os dividendos da agressão verbal, cujos rendimentos são, contudo, menores. Poucos compadecer-se-ão dos jovens sisudos que foram chamados de "fascistas" ou que tiveram que ouvir palavrões. Quem organiza marchinha militar está querendo guerra. Ou não? Será que eles queriam apenas expressar suas convicções e seus valores, dar um lindo testemunho de virtude e cativar as mentes e corações dos transeuntes?

Por que é que será que a posição básica dos cristãos de carteirinha é a de enfrentamento? Será que é isso que tocará as almas e transformará o mundo? Será que o panfleto é mais poderoso que o abraço?

Por outro lado, é difícil simpatizar com os contramanifestantes. Eles também entraram no jogo: chegaram lá para provocar e, quem sabe, apanhar. Cada gay que apanha dá muitos pontos para a campanha anti-homofobia. Infelizmente, dessa vez não rolou. Os soldadinhos do IPCO só queriam cantar, gritar e tocar gaita de foles. Pô, e as clássicas brigas de rua entre fascistas e comunistas? Enquanto houver Facebook, não acho que elas têm muita chance. Quando o vencedor é o lado com o maior número de cabeças quebradas, ninguém quererá jogar a primeira pedra.

Para piorar as coisas, os contramanifestantes ainda receberam apoio da Lola Aronovich: "E aí uma coisa linda aconteceu. A presença do grupo de ódio fez com que pessoas comuns se mobilizassem, usando a internet." Pessoas comuns andam por aí sem camisa, estão cheias de tatuagem, cabelos pintados e/ou descabelados, óculos chamativos, piercings, calças skinny e têm (fora um evidente comunista de boteco) entre 20 e 25 anos? E se o que os TFPistas faziam era ódio, como caracterizar o ato de berrar um xingamento a dois centímetros do rosto de uma outra pessoa enquanto se oferece a bundinha? Lindo! 70 partidários da causa gay conseguiram berrar e ameaçar um grupo de 20 opositores que rezavam e tocavam uma gaita de foles; que "coragem"!. Vitória do amor e da razão!

Quem é contra o casamento gay, o que espera ganhar ao fazer um teatrinho militar nas ruas? "Puxa, veja só, que exemplos de coragem! Se gente desse calibre é contra o casamento gay, eu também tenho que ser!". E quem é a favor, espera causar boa impressão fazendo um escarcéu histérico e indecente? O resultado final disso é que um lado saiu odiando o outro um pouco mais. E só.

A meu ver, a única lição a ser tirada do episódio é que há algo de errado com mostras públicas e grupais de ideologia. Elas funcionam para fazer seus participantes se sentirem bem - especialmente essas micro-marchas de grupinhos bem definidos, que sonham em vão com o tipo de repercussão de outras passeatas que tiveram caráter global - e aumentar um pouco o ódio contra a causa. Ao mesmo tempo, lamento as duas sociedades projetadas pelo dois lados da contenda: a primeira, embora mantenha uma ordem de valores e de devoção, é rígida, impositiva e homogênea. A segunda é arbitrária, caprichosa, irracional, niilista e feia por opção. O que aconteceu com a boa e velha civilização ocidental? Ela ainda está por aí; só não a vemos porque ela é exatamente os 99% que não comparecem a manifestações. Todos os que, só por não fazer barulho, não são ouvidos.

Penso na cobertura que a mídia de São Paulo dá aos embates entre punks e skinheads na Av. Paulista. Como é que dois grupos de palhaços fantasiados que resolvem sair na porrada recebem atenção? Troque por CUT e Movimento Cansei que dá no mesmo. Quem se importa se o os punks defendem o Patati e os skinheads o Patatá? Dar importância a isso é já ceder no essencial: ceder a autonomia individual e conceder de mão beijada que a sociedade é feita de coletivos com seus "interesses". Até quando o desejo adolescente de autoafirmação via grupos será considerado uma voz socialmente relevante?

Nesse sentido, penso em um outro tipo de manifestação pública de massas: a procissão católica. Vejam o tamanho da oposição: ela não é contra ninguém, é só uma mostra de alegria e devoção com um convite estendido a todos para participar ou mesmo só vir olhar. Nesse sentido, não tão diferente do Carnaval e, por que não, da Parada Gay, na medida em que esta não é uma militância (e ela sempre tem, parcialmente, o sentido de militância). Celebrar publicamente; tá aí algo legítimo e belo. Embora o que se celebre na procissão seja  muito maior do que o que se celebra no Carnaval. E provavelmente oposto ao que se celebra no lado bom da Parada Gay? Putz, isso ainda vai gerar passeatas!
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