É um lugar-comum dizer que alguma medida de dissimulação, insinceridade e mentira é essencial à vida humana em sociedade. A afirmação é, ao menos superficialmente, plausível: se manifestássemos todos os nossos pensamentos para todo mundo, muitas situações desagradáveis surgiriam. Quem ousaria, ou melhor, quem seria cruel a ponto de ser brutalmente sincero sobre o romance recém-publicado do melhor amigo? E isso para não entrar nas manifestações de ressentimento, inveja, repulsa e atração sexual que se tornariam corriqueiras; quiçá onipresentes.
É impossível testar essa afirmação. No entanto, e embora ela pareça verossímil à primeira vista, tendo a discordar. Pois o homem é um ser adaptativo. Depois de um período de choque com a manifestação de tantos pensamentos baixos, agressivos e indizíveis, todos nós nos acostumaríamos à nova condição. Assim como não nos julgamos a nós mesmos, e nem consideraríamos razoável sermos julgados, por cada pensamento aleatório que cruza nossa mente, aos poucos aprenderíamos a ver e julgar os outros da mesma maneira. Os pensamentos secretos seriam como um lixo, um acumulado de detritos que aprenderíamos a filtrar. (Estou aqui tratando apenas dos juízos secretos; e não das informações secretas, cuja manifestação imediata traria outro tipo de mudança.)
Isso nos traz a uma outra constatação: os pensamentos involuntários, embora revelem algo sobre nós, não nos definem. É muito comum fazer momentaneamente juízos dos quais, se refletíssemos com mais calma, discordaríamos. Em situações de tensão, como em discussões acaloradas, esses juízos parciais e que não refletem nossa real opinião (embora reflitam alguns elementos formativos de nossa opinião), acabam sendo expressos como forma de insulto (“Você é um incompetente inútil!”). Se forem eficazes, refletirão algo que o próprio interlocutor pressinta, ou tema, que seja verdade, ainda que negue para si mesmo. Supondo que a percepção não seja um completo delírio, isso significa que o insulto, essa manifestação do pensamento que normalmente ficaria oculto, tem um quê de realidade. Mas é uma realidade parcial. Mais tarde, arrependidos, asseguramos o interlocutor de que o insulto não refletia nem a realidade em si e nem nosso juízo acerca dele.
Assim, os pensamentos involuntários e ocultos não refletem, ou nem sempre refletem, nossa real opinião; são, nesse sentido, falsos. Logo, ao ocultarmos certos pensamentos, e ao filtrar nossa fala, podemos estar sendo mais sinceros (isto é, manifestamos melhor a realidade profunda de nossa mente, que pode ser contrária a pensamentos e impressões superficiais também presentes nela) do que se disséssemos tudo o que vem à mente.
A política da honestidade completa, “dizer tudo o que se pensa”, doa a quem doer, é mais desonesta do que a fala “censurada”. A vida em sociedade não depende de nosso poder de enganar e mentir; é mais verdadeiro dizer que ela depende de nossa capacidade de dizer a verdade mesmo com incontáveis pensamentos contraditórios e parciais que cruzam nossas mentes sem, no entanto, fixarem-se nelas.