E de fato não cometeu. A operação toda se deu sem confronto algum e sem agressão física nenhuma. Opa Joel, como assim? Você não leu o DESABAFO da jornalista universitária Shayene Metri? Sim, sim, li o relato da menina que estava lá e que, depois de narrar os eventos da madrugada, conclui "Nada pode ser explicação pra violência gratuita, pro abuso do poder e, principalmente, pela desumanização da PM." Bom, algo muito tenebroso deve ter acontecido nessa reintegração de posse; ao menos cassetete na cabeça e bala de borracha no olho da galera. Imagens do Carandiru vêm à mente.
Ou eu estou esclerótico ou algo não bate. Pois no texto inteiro a pretensa jornalista isenta não relata um ato de agressão sequer. A única violência física da PM é perpetrada contra portas, cadeiras e cartazes de papel craft.
Tentei tirar fotos e gravar vídeos de uma PM que estava sendo violenta com o nada, para nada. Os policiais quebravam as cadeiras no carrinho, faziam questão do barulho, da demonstração da força. Os crafts com avisos dos estudantes, frases e poemas eram rasgados, uma éspecie de símbolo.
Será que a indignação dela é pela violência contra o pobre e indefeso nada? Ou será pela beleza imortal que se perdeu naqueles poemas rasgados? Seja como for, a única violência relatada no texto é contra o nada, e não contra seres humanos.
Então a repórter mentiu? Não. Tenho certeza de que ela estava lá, viu tudo e relatou o que viu. Minha acusação é que - e isso é comum no jornalismo - ela não entendeu o que viu. E por não entender e não esperar a ação da PM, aquilo mexeu com ela de tal forma que a própria percepção dos fatos foi alterada a esse nível cômico de condenar algo que ela mesma não relatou.
Shayene Metri não viu a PM sendo violenta. Ela viu a PM agindo de forma a evitar a violência. A presença desproporcional de cavalos, carros e helicópteros, o invadir a reitoria de uma vez, o fazer barulho e gritar; são técnicas de intimidação. Se a PM intimida o adversário, consegue que ele se renda sem confronto, o que de fato evita o uso da violência contra ele. E se houvesse um confronto entre os 72 ocupantes e a PM, quem venceria? Pois então, a intimidação era para o bem dos próprios ocupantes, para dissuadi-los de cometer alguma burrada num arroubo de heroísmo revolucionário. Também era para o bem da PM, pois se aparecessem fotos de aluno machucado, com uma unha quebrada que fosse (que dirá cabeças sangrando) ia pegar muito mal para ela. Ainda bem que a PM usou da intimidação!
Será que a tática era necessária? Os alunos seriam burros o bastante para tentar alguma coisa? Há fortes indícios de que sim. Algumas noites antes tinham agredido repórteres (todo repórter adora sobre-valorizar o fato, como ocorre no link; mas que aconteceu, aconteceu). Na assembleia houve muitos que defenderam o confronto. Na madrugada da reintegração, conforme narra a própria Shayene, uma ocupante disse: "Se ele vierem vai ter confronto e isso já vai ser um tiro no pé deles". Estavam armados com coquetéis molotov. Em outras palavras, queriam o confronto, pois tinham plena consciência de que mesmo uma derrota física seria uma vitória com a opinião pública. A polícia agiu exemplarmente: desarmou a estratégia maquiavélica dos invasores com a mais eficaz das armas: o medo primal, e os mesmos que horas antes sonhavam com o combate sangrento corriam em desespero e se prostravam em rendição segundos depois da PM chegar.
Ontem, dia 09/11, estive na Filosofia e assisti ao depoimento do Leo, um dos 72 ocupantes (já estão todos em liberdade), e ele foi bem claro e honesto: não sofreu qualquer tipo de agressão policial e nem viu nenhuma agressão contra outro ocupante. Conforme seu relato, os homens e as mulheres foram separados (ainda na reitoria), e aparentemente algumas das meninas xingavam e tentavam agredir o cordão de policiais dentro do qual eram mantidas (policiais homens, mas havia duas PMs mulheres junto para supervisionar). Uma dessas ocupantes começou a berrar incontrolavelmente e por isso foi imobilizada e colocaram na boca dela uma mordaça esférica. Assim, vê-se a mentira deslavada que foi a denúncia inicial dos ocupantes detidos acusando agressão da PM (em termos genéricos, claro, sem qualquer indicação concreta). Talvez no mundo imaginário deles ficar sentado fazendo assembleia num ônibus seja agressão e tortura; afinal, trata-se de gente para quem a operação da polícia "lembrou os tempos mais sombrios da ditadura militar". Note-se que os autores da denúncia nasceram já no período da democratização.
Em suma, a estratégia da PM era boa e ela agiu de maneira exemplar. Não houve violência policial, não houve abuso de poder, não houve nada desumano. O que houve foi um grupinho de alunos com sonhos de heroísmo revolucionário, de grandes guerras por nobres ideais. Só que, como todos os estudantes da USP (eu incluso), é gente sem nenhuma vivência real de guerra ou violência. Por isso, à primeira gota de mundo real todas as ilusões de bravura deram lugar ao pânico. Entendo perfeitamente que a jornalista tenha ficado abalada e isso tenha distorcido seu juízo. Tenho mais dificuldade de entender como tantas pessoas (a julgar pelo número de facebookers que compartilharam), tendo lido o relato, aceitaram sua conclusão.
Para um exposé bem diferente da ocupação e da reintegração de posse, sugiro este site.
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Finda a ocupação, entramos no negócio mais entediante que é a greve, só para garantir que o fim do ano seja mais improdutivo do que já é por si só. É uma boa oportunidade para meditar sobre os fins e os meios do movimento estudantil.
Por que diabos, afinal, tanta ojeriza à PM? Em parte até simpatizo. Uma polícia que chega revistando pessoas que nada fizeram, tratando todo mundo como suspeito, é muito ruim para todos e, em si, não ajuda a segurança. Até aí, pode haver uma orientação aos PMs de como devem agir no campus para melhor garantir a segurança sem impor um policiamento hostil. A experiência da PM no campus é nova e pode ser melhorada. Eu preferiria a guarda local, ou uma empresa de segurança, mas talvez o grau do problema exija poderes policiais.
Qual é a grande diferença entre a PM e uma guarda numerosa, bem treinada e armada? (Pois tem que ser armada: a USP é gigante, cheia de mato, tem livre entrada, gente de alto poder aquisitivo e, como a experiência mostra, é palco regular de crimes.) Uma tem poder para revistar arbitrariamente; a outra não. Uma, se encontra drogas, leva pra DP; a outra não procura drogas e só as achará se elas lhe forem realmente esfregadas no rosto. Por mim, a PM deveria se ater a crimes violentos e deixar o consumo de drogas pra lá. Mas imagino que eles não queiram e nem possam agir assim. E se a escolha for entre uma USP insegura e com consumo livre de drogas, ou uma USP mais segura só que com transtornos ocasionais em busca de drogas, fico com a segunda. Alguma outra diferença relevante entre PM e guarda universitária? Não consigo ver, embora todos os militantes jurem de pés juntos que as drogas não têm nada a ver com sua oposição à PM.
Não! O problema é que a presença da PM nas ruas do campus inibe a produção científica dentro das salas e a livre discussão de ideias nas classes e nos bancos. WHA-?? É isso mesmo que você leu. Ou pelo menos é o que diz um outro texto de alunos da USP, dessa vez da Barbara Doro e do Jannerson Xavier da ECA, que tem sido propagado aos quatro ventos e tido unanimemente como certeiro e muito sensato.
"A PM é instrumento de poder do Estado de São Paulo sobre a USP, que é uma autarquia e, como tal, deveria ter autonomia administrativa. O conceito de Universidade pressupõe a supremacia da ciência, sem submissão a interesses políticos e econômicos."
A forma como a PM submeteria a ciência a interesse políticos é mantida incógnita. E esse nem é o maior disparate do texto. Acho que foi a retórica de sensatez e imparcialidade dos autores que persuadiu os leitores de que o texto é de fato imparcial e sensato quando não o é de maneira alguma.
Seu único ponto com alguma relevância é a discussão de se a violência no campus diminuiu ou não depois da entrada da PM. Apresentam este gráfico. Supondo que os dados sejam verdadeiros, meu olhômetro até vê uma certa diminuição de junho de 2009 em diante, mas só seria possível afirmar alguma coisa com certeza depois de uma análise estatística. Eles poderiam pelo menos dar a média de crimes antes e depois (pegando obviamente períodos equivalentes: comparar parte alta do ciclo com parte alta, parte baixa com parte baixa), ou mostrar uma linha de tendência, mas nem isso. Muito menos uma análise de significância. Ficamos com um arremedo de argumento dos autores contra um espantalho óbvio mas que nem o refuta direito.
Discussões pontuais a parte, o texto afirma que condena os meios dos invasores (até aí tudo bem, mas já já veremos o motivo dessa condenação...), e aprova integralmente seus fins. E diz mais: esses fins são partilhados pelo grosso dos estudantes. Afinal, diferentemente dos gatos pingados dessa última invasão, esses ideais saíram vitoriosos de uma assembleia altamente representativa, com 3000 alunos.
Só o campus do Butantã da USP tem 50.000 alunos (a USP toda, mais de 80.000). Não sabemos quantos desses 3000 apoiaram os fins em questão (ninguém sabe: o voto das mãos levantadas é sempre no olhômetro). Temos, portanto, que menos de 3000 alunos concordam com os fins dos manifestantes. E devemos acatar a opinião deles porque foi decidida em assembleia. Essa mesma assembleia, num dia em que reuniu por volta de 500 pessoas, foi contra a ocupação da reitoria. Por isso os invasores devem ser condenados e considerados anti-democráticos.
"Portanto, os meios pelos quais o Movimento Estudantil se mostra (invasões, pixações, etc.) não são decisão de maiorias e, portanto, são passíveis de reprovação. Seus fins (ou seja, os pontos reais que são discutidos), no entanto, têm adesão muito maior, com 3000 alunos na assembleia do dia 08/11.""Não são decisões de maioria e, portanto, são passíveis de reprovação." Há toda uma filosofia aqui. Uma das filosofias mais imorais da história, a de que o que determina o certo e o errado é a vontade da maioria. A isso, ao poder irrefreável da maioria, que é outro nome para a lei do mais forte, eles chamam democracia. Se a maioria quiser tocar fogo no campus, então o ato será louvável e democrático. A ocupação da reitoria foi obra de uma minoria, portanto condenável. Mas os ideais deles são apoiados pela maioria. O mais ridículo é que nem isso é verdade: em 3000 alunos, essa suposta maioria é ela própria uma minoria.
As ideias e desejos dos "estudantes" (como se coletivos fossem indivíduos com razão e vontade) são determinados por essas assembleias sempre minoritárias (em geral com algumas centenas de alunos), cuja organização privilegia quem não tem mais o que fazer (ou os militantes para os quais as causas revolucionárias do movimento são a única coisa a fazer) e pode passar horas e mais horas em reuniões infinitas e entendiantes no meio da noite. Que isso seja aceito pelas autoridades administrativas da USP como a voz legítima dos estudantes e digna de diálogo já é um respeito excessivo e indevido. Que piquetes, cadeiraços sejam considerados "manifestação legítima" é de uma tolerância maternal, e eles ainda insistem que são reprimidos. Pouco a pouco a invasão de prédio vai se tornando legítima também; a de 2007 abriu as portas para novas tentativas; a atual, com o fim feliz, espero que as tenha fechado novamente. Mas suponho que mudar os estatutos que instituíram tal estado de coisas seja quase impossível, e que portanto a única solução para o problema que é o movimento estudantil (cujos militantes - nem sempre estudantes - querem, entre outras coisas, imunidade legal para alunos e funcionários e eleições diretas pra reitor, ou seja, querem o poder de mandar e desmandar na universidade) é que as pessoas percebam gradativamente sua malícia e sua inutilidade e o ignorem. Tenho fé que esse processo já esteja em andamento!