A usina de Belo Monte é daqueles dilemas perigosos, quase insolúveis. A quem aliar-me-ei? A Dilma e Lula ou a Sakamoto e Eliane Brum? Escolha cruel! Em um texto recente me declarei levemente a favor da usina. Agora, tendo conversado com algumas pessoas mais bem-informadas e lido um pouco mais sobre o tema (ou seja, tendo lido algo ao invés de nada), meu posicionamento é diametralmente oposto: estou levemente contra.
Nunca esperaria andar de mãos dadas com Sakamoto, levantando a mesma bandeira. A coluna dele sempre funcionou como um guia infalível para minhas próprias opiniões: se eu estava incerto sobre alguma questão, era só ir ao Sakamoto, lê-lo, e afirmar o oposto. Curiosamente, no caso atual essa lei ainda vale. Pois, embora concorde com os ilustres articulistas (para não falar dos globais) nas conclusões, seus argumentos não me convencem. Então, antes de defender minha mudança de posição, vou expor os motivos que definitivamente não tiveram nada a ver com ela.
O primeiro é o ambiental. Não que eu seja contra o meio-ambiente; mas, ao contrário do que propaga certa ala do movimento ambientalista, aqui também deve vigorar a análise de custo-benefício. Talvez alagar uns 400 km2 de floresta para gerar muita energia valha a pena, ainda mais considerando que a Amazônia tem milhões e milhões de quilômetro quadrados e a área alagada é minúscula mesmo se comparada ao total desmatado por ano. Além disso, ao contrário das usinas termelétricas, o dano ambiental das hidrelétricas é local e perfeitamente mensurável. É algo que pode ser internalizado e seu custo calculado; isto é, isso seria possível se os recursos em questão (rio, floresta) fossem propriedade privada. Minha opção energética favorita ainda é a nuclear, mas dado o potencial hídrico do Brasil, parece estupidez não usá-lo só porque ele traz algum dano ambiental. Tudo traz algum dano; a questão é sempre saber se os benefícios o compensam. E o dano em questão é pequeno.
O segundo motivo que não me convence são os índios. Ele poderia me convencer. Considero que ideias de políticos ou industriais (ou filósofos, for that matter) sobre o "bem comum" não são mais dignas de respeito do que a propriedade privada. E, portanto, se um pequeno fazendeiro não quiser de jeito nenhum, por nenhum valor ou proposta, abrir mão de sua terra para que uma nova mega-rodovia passe, então ela que dê a volta. O mesmo valeria com os índios. Se eles, que são os donos de suas terras, não quiserem de jeito nenhum sair de lá ou cedê-las, ninguém tem o direito de inundá-las. Mas sei também que os índios são tratados como uma classe à parte, e que uma opção básica como oferecer alguns milhões de Reais para que eles liberem parte de suas posses não está na mesa. Claro que há questões sobre a propriedade das terras indígenas: quem seria o dono? Só cacique? Cada habitante é dono de uma pequena área da reserva total? A reserva é propriedade societária em que cada índio é acionista? Haveria muito o que discutir, mas o problema não é irresolvível. E suspeito fortemente que, se uma solução pragmática dessas estivesse na mesa (para horror dos antropólogos), muitos índios não pestanejariam em fazer um bom negócio. Enfim, do jeito que a questão do índio e outras populações locais é tratada, é difícil saber o que é interesse deles (dos indivíduos; não das classes, entidades fictícias) e o quê é demagogia disfarçada de discurso sociológico. E portanto a insistência deles em ficar lá não me soa convincente. Talvez com mais leituras eu mude de opinião neste ponto.
O terceiro motivo que não me convence é o de que essa eletricidade nova visa a suprir as necessidades de uma indústria que exporta matéria-prima ao invés de bens com alto valor agregado, e que isso seria ruim para o país. Não vou tratar longamente dessa questão. Que apenas conste nos autos que ela não faz sentido econômico algum (as trocas são sempre de valor por valor; se nossa exportação é de 1000, então o que podemos importar mais nossa poupança em moeda estrangeira também vale 1000) e que, a título de exemplo, a Nova Zelândia é país rico e só exporta bens de "baixo valor agregado". Uma variante desse argumento diz que o próprio crescimento industrial e do consumo é ruim, e que deveríamos, isso sim, reduzir nosso uso de energia. Para quem considera a pobreza um valor, deve ser convincente; não é meu caso.
Por fim, o último argumento furado é o de que "poderíamos perfeitamente usar energia eólica e solar para suprir nossas necessidades." Quem diz isso deve achar que vivemos numa história em quadrinhos; que existem alternativas eficientes e perfeitas ao problema energético mas que alguns vilões da grande indústria querem poluir o céu, serrar árvores e matar índios. O governo Dilma pode ser mau, mas sua maldade é algo mais razoável do que os planos maléficos de um Lex Luthor ou um Dr.Von Doom. Deve haver um motivo razoável para seu carro ter um tanque de gasolina e não um catavento.
E agora chegou a hora que todos esperavam! Vamos ao argumento que me convenceu; o grande anti-clímax do artigo. Dado o custo sempre ascendente da nova usina (que com certeza superará os atuais 30 bilhões, referentes apenas à obra em si e não a vários outros custos associados a seu funcionamento; e mesmo o custo da obra há de subir, como sempre sobe), e, o que é mais importante e poucas vezes mencionado, os custos extras de transporte dessa energia e a perda que esse transporte ocasiona, ela é uma opção pouco eficiente. Tiro meus dados deste artigo que me foi indicado e que foi, até agora, o mais transparente e esclarecedor que encontrei, pois cita os componentes do cálculo do custo do MWh (embora não explicite a fórmula); imagino que não seja unânime, e por isso minha opinião não é uma certeza.
Se Belo Monte é de fato uma opção pouco eficiente, então o governo deve ter um outro objetivo ao construí-la (para além do favorecimento dessa ou daquela grande construtora, que poderia se dar com qualquer obra): um plano de desenvolvimento industrial da região. Se uma região não tem quem queira, voluntariamente, financiar a construção de indústrias, deve haver um bom motivo para isso: os ganhos não superam os custos. Sendo esse o caso, é melhor que a indústria não se estabeleça ali, pois os recursos gastos para isso não serão compensados pelo valor criado. Sou contra todo e qualquer plano de desenvolvimento industrial do governo, seja ele qual for. Pois se ele precisa do governo, então não é, do ponto de vista da própria sociedade e das informações disponíveis, um bom uso dos recursos. Esse capital tem melhores aplicações em outras áreas, mesmo energéticas.
A bem da verdade, também me oponho ao governo controlar e determinar a produção e distribuição de energia. Deveria ser tudo privatizado e liberalizado: produz energia quem quer, onde quer, e a vende por quanto quiser. Mas, dado que no contexto atual essa possibilidade não está em jogo, que o governo ao menos produza e distribua energia da forma mais eficiente, atendendo às demandas do mercado (isto é, da produção de valor e dos desejos da população), e não utilize essa sua prerrogativa para levar adiante planos geopolíticos e industriais que sempre redundam em mais poder para si e seus protegidos.
E é por isso, Dilma, que nossa breve aliança deve chegar ao fim. Sou a favor de uma política energética que vise permitir o crescimento (real) da economia e evitar apagões (e que é, portanto, assunto para técnicos, não para plebiscitos), e não alimentar os sonhos loucos de políticos que se vêem como capitães e artífices das sociedades, coisa que não são e nunca poderão ser.