Vejam a principal definição dada no artigo:
O conservadorismo opõe-se à crença racionalista moderna de que valores políticos defensáveis precisam estar necessariamente baseados num sistema de propostas articuladas, cuja aplicação é universal. Assim definido, o conservadorismo opõe-se a toda proposta idealista totalizante. Não apenas às de esquerda, como o socialismo marxista, mas também às de direita, como o fascismo e o nazismo. O elemento central da posição conservadora é o ceticismo. Ceticismo em relação à possibilidade de que qualquer sistema de ideias tenha aplicação universal e seja capaz de resolver os dilemas da vida em sociedade.
A melhor pista da essência do conservadorismo (embora desvie estrategicamente do alvo) é dizer que ele se opõe à "crença racionalista moderna". Traduzido em termos concretos, se opõe a sistemas "de propostas articuladas, cuja aplicação é universal". Ora, qual é a faculdade humana que articula conteúdos sistematicamente e que chega a conclusões universais? É a ela que o pensamento conservador se opõe. Para não dizê-lo com todas as letras, alguns espantalhos são fustigados. A oposição seria apenas ao racionalismo, aos sonhos utópicos de que algum sistema político dará fim à dor e à imperfeição. Assim é fácil!
Qualquer proposta política que se coloque como solução definitiva para a condição humana é obviamente um delírio. Não é preciso conservadorismo para se opor a isso; apenas bom senso. O problema é que propostas articuladas e universais não são monopólio de sonhadores utópicos, mas elemento necessário de qualquer pensamento político coerente e bem fundamentado. Socialismo e capitalismo são ambos rejeitados, segundo o critério conservador, não por seus méritos ou deméritos, mas por terem propostas articuladas e universais, mesmo que não sejam utópicas. Nenhuma proposta política séria acredita no fim da imperfeição humana. Elas apontam caminhos para melhorar a situação; só que esses caminhos dependem de consistência, lógica, sistematicidade. E são universalizáveis. Assim, o que o conservadorismo rejeita não é o racionalismo, mas a própria razão.
Se a razão é rejeitada para se guiar a política, se se nega que a mente humana seja capaz de chegar a respostas melhores e universais para os problemas sociais, sobra o quê? Duas possibilidades: ou se repete o que era feito no passado, ou se age com base no instinto, no sentimento, na "intuição". O conservadorismo oscila entre ambos. Em um momento, "sabe que é preciso ser paciente e dar tempo ao tempo, pois nem tudo tem sempre solução"; em outro, busca "minimizar o sofrimento e melhorar a qualidade da vida, por meio da adaptação dos valores, das práticas e das instituições às condições objetivas das circunstâncias". Dizer que as decisões são tomadas com base em circunstâncias não-universalizáveis (ou nas particularidades do "caso brasileiro") é um código infalível para dizer que os políticos no poder farão o que quiserem e darão algum arremedo incoerente como explicação. É rejeitar a ciência em nome do feeling, e dar carta branca para toda medida populista. É esse o partido de nossos sonhos? Que governará sem propostas, sem ideias, ao sabor das circunstâncias do momento?
Quem governa sem ideias é servo das ideias dos que o precederam. O conservadorismo busca o impossível: substituir valores e propostas pela total ausência deles. Contra o embuste intelectual e moral que é o socialismo progressista, não apresenta propostas coerentes e um conjunto de valores superior; apenas se abstém do debate e declara não ser possível sanar os males deste mundo. Resende percebe que essa proposta é contrária ao espírito dos jovens. Ele insiste, porém, que os jovens de hoje mantêm a aparência de otimismo apenas por pressão social. Discordo; os jovens são otimistas de verdade; sonham alto. Por isso o conservadorismo lhes é tão avesso; é uma posição política feita para os verdadeiramente velhos de espírito.
Quem governa sem ideias é servo das ideias dos que o precederam. O conservadorismo busca o impossível: substituir valores e propostas pela total ausência deles. Contra o embuste intelectual e moral que é o socialismo progressista, não apresenta propostas coerentes e um conjunto de valores superior; apenas se abstém do debate e declara não ser possível sanar os males deste mundo. Resende percebe que essa proposta é contrária ao espírito dos jovens. Ele insiste, porém, que os jovens de hoje mantêm a aparência de otimismo apenas por pressão social. Discordo; os jovens são otimistas de verdade; sonham alto. Por isso o conservadorismo lhes é tão avesso; é uma posição política feita para os verdadeiramente velhos de espírito.
No início do século XIX, o conservadorismo era a ideologia contrária aos liberais, que pela força dos argumentos econômicos e o debate implacável conseguiram algo quase impossível: diminuíram o alcance do intervencionismo estatal e das atribuições do Estado em geral. Diminuíram as barreiras comerciais, aboliram a escravidão, abriram espaço para o maior desenvolvimento econômico da história da humanidade até então. Contra adversários que juravam que o estado atual das coisas era "natural", que era a vontade de Deus meramente por ser a ordem estabelecida e a tradição dos antepassados, prevaleceu a razão.
Se a sociedade tem leis e instituições boas, querer conservá-las é ótimo. Mas por elas serem boas, e não por serem tradicionais. A escravidão e a negação de direitos das mulheres são bem tradicionais; devíamos ter dado tempo ao tempo e rejeitado como universalizações ingênuas as propostas que mudaram esses estados de coisas? No mundo árabe, ser conservador é defender a proibição dos juros, a obrigatoriedade do véu e a pena de morte por apostasia; deveríamos ver com bons olhos o "ceticismo" deles com relação aos valores ocidentais?
Há 100 anos atrás, o padrão político vigente era liberal (ao menos para os padrões atuais). Mas o capitalismo, ainda que tivesse uma defesa econômica bem elaborada, não tinha um embasamento filosófico e moral adequado. Vide o utilitarismo, que é das éticas mais coletivistas possíveis e mesmo assim era usado em sua defesa. Não tinha como dar outra: a oposição aos socialistas e progressistas foi feita com base no conservadorismo, no ceticismo; uma posição sob medida para quem quer perder e depois se gabar de ser um dos poucos sábios remanescentes, mas não para quem almeja relevância social. As premissas e os conceitos foram dados todos pelo progressismo, e continuam a reinar até hoje, até que alguém tenha coragem de sustentar um outro código de valores. You can't beat something with nothing. O conservadorismo atual rejeita o aumento do dirigismo estatal mas aceita o conceito de justiça social e o valor da igualitarismo que lhe dá suporte; sua guerra já está perdida.
Nesse sentido, o PSDB já é um partido conservador. Nada tem a oferecer que destoe da agenda socialista obrigatória do discurso público; afirma apenas ser mais eficiente, mais honesto e promete não conclamar os proletários às armas. Na época da eleição faz sua propaganda, finge que as discordâncias políticas com o PT são profundíssimas (ironicamente, a acusação ideológica da última campanha foi dizer que o PT não era socialista o bastante), mas todo mundo sabe que as propostas são rigorosamente as mesmas: o Estado dará mais saúde, mais educação, mais trabalho, mais renda, mais cultura, mais esporte, mais lazer, mais sexo seguro, aumentará a regulamentação sobre o capitalismo selvagem e fortalecerá as estatais. Ser conservador hoje em dia é comprar o pacote progressista completo e aplicá-lo timidamente. Uma real oposição tem que ter algo novo a propor.
***
Feita essa crítica ao conservadorismo como um conjunto de valores e propostas políticas (ou melhor, da ausência deles), sobra algo que, me parece, é saudável, e que o próprio Resende levanta: o conservadorismo dos meios, ou seja, a rejeição ao ímpeto revolucionário, a qualquer tentativa de impor grandes mudanças por meio da força. O poder corrompe, e a sede implacável de justiça é algo perigoso. Conhecendo a imperfeição do homem, a cautela e a harmonia das relações devem ser sempre preservadas, pois é com grande facilidade que revertemos à barbárie. A abolição da escravidão no Brasil, pela via do consenso e do convencimento, é um bom exemplo dessa política conservadora no bom sentido (ainda que se possa criticar o desamparo no qual os ex-escravos foram deixados depois dela). Mas essa cautela e esse zelo pela ordem social não substituem os valores e as propostas que dão o direcionamento e constituem a alma da boa política. O conservadorismo dos meios mantém nossos pés no chão; o dos fins, nossos olhos.