Quero saber uma coisa dos apoiadores do Passe Livre, e
daqueles que exaltam o ímpeto transformador dos manifestantes que tomam as
ruas: quando, num futuro próximo, manifestações similares forem organizadas
contra a legalização do aborto (tema que, sabemos com certeza matemática, aparecerá
na agenda política mais cedo ou mais tarde), verão aí também uma bela mostra de
idealismo e coragem de uma parte da população ao lutar por seus valores? Se sim, ganharam meu respeito.
De minha parte, não deixo de simpatizar com os
manifestantes destes dias, ainda que eu saiba que a proposta que eles defendem faria do
transporte coletivo algo ainda pior.
A preço zero, teríamos um aumento enorme da demanda, e incentivo nenhum para
nenhuma das empresas (que agora receberiam toda sua receita de repasse estatal)
oferecer mais e melhores serviços. A mesma falta de incentivo, somada a uma
preocupação ainda menor de garantir a eficiência, valeria se o Estado
simplesmente tomasse conta de tudo.
Mas sem dúvida: o sistema de transporte público da cidade
está muito ruim e muito caro. Os trajetos demoram, as ruas são péssimas e o
gerenciamento de trânsito da CET é tenebroso (aliás, ela aumenta sua receita se
o trânsito gerar mais infrações; pensem em qual será o incentivo dela para
elaborar regras e sinalizações claras, simples e que promovam um trânsito mais
fluido). Enfim, a situação é digna de uma revolta. A beleza toda da
coisa está no ato de se manifestar. Na crença de que juntos dá para melhorar a
realidade em que vivemos.
Há sim algo de belo ai. A mesma beleza que há numa eleição,
outra forma de “ação política” que é basicamente inócua. Elas conseguem tocar
essa aspiração de fazer do mundo um lugar melhor por meio de um esforço direcionado conjunto. Pena que imponha custos
enormes a toda a sociedade.
Quem foi que decidiu que interromper o trânsito de milhares
de pessoas é uma forma legítima de se manifestar? Por que é que a bela
aspiração de um lado tem o direito de arruinar o dia de outra pessoa? Isso é
antissocial. Se querem arruinar o dia de alguém, que arruínem o do prefeito,
dos vereadores, dos donos dos cartéis e monopólios. O direito de usar as vias
públicas não deveria estar a mercê de causas políticas; nem das boas, nem das
más. Mesmo porque a pessoa cujo trajeto é barrado talvez nem concorde com a causa; não é justo que ela pague o pato. Se está difícil de entender a justiça da reivindicação desse sujeito que não quer pagar o pato de uma manifestação popular com a qual ele discorda, pense num caso alternativo: pense numa manifestação em prol de manter o "Deus seja louvado" em nossas cédulas que te impeça de usar dinheiro no dia; ou uma revolta pela legalização do homeschooling que te impeça de entrar na escola ou na faculdade.
É um fato: vivemos num mundo onde o Estado pode atrapalhar
muito nossa vida. Assim, participar da política impõe-se como necessidade. Essa
participação não precisa, contudo, obedecer à lógica da baderna e da violência.
Nesta segunda-feira, 17/06, enquanto o movimento do Passe Livre organiza mais uma
marcha gigantesca no Largo da Batata, uma outra manifestação, bem menor, se
encontrará no vão do MASP às 18:00. É o Protesto pela Desestatização do Transporte Coletivo. Um protesto pacífico, que visa a informar e mobilizar os transeuntes,
propondo soluções radicalmente diferentes para o problema do transporte
coletivo, que leva, justificadamente, tantos a se revoltar. Estaremos lá não só
para propor e cobrar soluções, mas também para vivenciar um outro tipo de
protesto, que não faz dos cidadãos honestos reféns para conseguir o que deseja. A beleza do idealismo sem o autoritarismo que a ele se associou. Serão poucos os presentes no ato? Sim, serão poucos. E serão bons.