terça-feira, 2 de abril de 2013

2019

2011 – STF aprova a união civil homoafetiva.
2013 – Senado aprova a PEC das domésticas.
2015 – TST determina, irrevogavelmente, a ilicitude da contratação de funcionários Pessoa Jurídica.
2017 – STF aprova com unanimidade a união civil poliafetiva.

-2019-

Certidão lavrada no cartório do 9º subdistrito da Vila Olímpia, comarca da capital do Estado de São Paulo:

CERTIDÃO DE CASAMENTO

CERTIFICO E DOU FÉ que sob o número 11101962, às Fls. 23, do Livro V-02 de Registros de Casamentos, encontra-se o assento do matrimônio poliafetivo de LUIZA LOPES DE ALCÂNTARA BULHÕES e MARYA KELLEN DOS ANJOS, contraído no dia 02 de abril de 2019, perante o MM. Juiz de Casamento Rafael Queiroz, e as testemunhas constantes do termo.

A primeira contraente, brasileira, psicóloga, casada com RAPHAEL VON LEUCHTENBERG DE ALCÂNTARA BULHÕES, natural de Miami, Estados Unidos da América (transcrito para o 1º Subdistrito – Sé), nascida no dia vinte e dois de dezembro de mil novecentos e noventa e quatro (22/12/1994), filha de ORLANDO BACHIR LOPES e de MARIA CRISTINA MARCHIORI.

A segunda contraente, brasileira, dona de casa, casada com JEFFERSON SILVA, natural de Senador Sá – CE (registrada em Fortaleza – 1º Subdistrito – Centro), nascida no dia quinze de novembro de mil novecentos e noventa e oito (15/11/1998), filha de CLEUDEMIR APARECIDO DOS ANJOS e NEIDE AUXILIADORA DE JESUS.

Ambas continuam a assinar os mesmos nomes.

Adotaram o regime de separação total de bens, e a poliafetividade é assumida segundo a cláusula de intransitividade.

Notas: Anexo a esta certidão constam as duas declarações de que o presente matrimônio é contraído por motivo de amor e desprovido de constrangimento pecuniário.

O referido é verdade e dou fé.

São Paulo, 02 de abril de 2019
Allan dos Santos
Escrevente autorizado


Tendo-se despedido das duas testemunhas, amigas de Luiza que estavam mais ou menos na mesma condição, as recém-casadas entraram no banco de trás da BMW que as esperava. Marya olhou para a nova esposa; o assunto era delicado. Após um segundo de hesitação, decidiu falar.

“Olha, dona Luiza, minha tia Jemilda falou que na casa da patroa dela veio um fiscal do trabalho na semana depois do casamento.”

Em geral Luiza não dava bola pro papo chato da Marya, mas dessa vez dignou-se a responder, sem, contudo, dirigir-lhe o olhar: “É?”

“É. Ele foi ver se ela era esposa mesmo.”

“Mas se elas tão casadas no papel, ele não pode fazer nada.” Irritava-a o hábito da Marya de sempre trazer problema. Pressentiu que lá vinha mais um.

“Não, eles investigam! Viu que elas não dormem na mesma cama nunca. Que não tinha foto do casal.”

“E aí?” Perguntou, já preocupada, virando a cabeça para a esposa.

“Falou que ia abrir processo. Elas até se beijaram, só que ele falou que não adiantava. Que tinham que transar na frente dele, ali, ou gravar e mandar o vídeo. Senão ele processava. Já imaginou?”

“Nossa, Marya, que absurdo! A Suzy deve estar passada!” Depois de um instante de silêncio, sorriu ao imaginar a cena: “E elas toparam?”

“Aí já não sei.”

Luiza tranquilizou-se pensando que as providências seriam simples. Reconfortava-a que, enquanto a Jemilda era uma velha feia, a Marya era até que bonita (no dizer do Rapha, depois de uma noite de caipiroskas: “beeem gostosinha”), e não de todo burra. O casamento era verossímil. Mesmo assim, que amolação essa história de fiscal!

“Olha, pra mim esse governo já deu. Tá cada dia pior! Cansei de sustentar corrupto. O Rapha já tá pensando em se mudar pra fora. Aliás, deixa eu ligar pra ele.”

Luiza tocou com o indicador no lado direito dos óculos e pronunciou baixinho: “Rapha”. Após um breve sinal sonoro, emendou:

“Amor, tô saindo agora aqui do cartório.”

A voz do marido vinha de minúsculos autofalantes nas hastes dos óculos: “E deu tudo certo, querida?”

“Ah, deu, foi tudo normal. Mas a Marya tá falando aqui que vai chegar fiscal pra inspecionar a nossa casa.”

“Como é que é?” – naquele tom briguento que ficava a cada dia mais comum.

“É, o fiscal do trabalho vai vir na nossa casa pra ver se a gente se casou por amor mesmo. Tem que ter prova.”

“Puta que pariu! É sério isso?”

“É sério. Tão processando mesmo. Você faz um favor pra mim? Encomenda uma cama de casal daquelas que dobram, pra botar no quarto da Marya? Manda instalar a NET na TV dela também?”

“Caralho, hein, amor?”

“O que que você quer que eu faça? Não é culpa minha! Eles vão ferrar com a gente!”

Um suspiro do outro lado da linha. “Tá bom. Vou olhar aqui.”

Marya, olhando a rua pelo vidro fumê, pensava no benefício inesperado daquela cama de casal. Facilitaria as estadias secretas do patrão em seu quarto durante a madrugada. Uma diversão noturna, mais os quinhentos extra por mês, sem FGTS e INSS, eram uma boa; filminho na NET também. Se esse casamento colasse, seria mais dinheiro no bolso. E caso a Luiza passasse dos limites, dava pra entrar na Justiça, dizer que foi obrigada. Sentiria um pouco de pena do Raphael: gostava das horas com ele, sentia que ele ficava à vontade, e ela também. Bem diferente dos longos silêncios pesados com o Jefferson, aquela pobreza do "apertamento" dele. E sabe-se lá onde encontraria outro emprego que pagasse bem. Enfim, o futuro a Deus pertence, e o momento era de celebrar. 

A voz do marido saiu novamente dos óculos de Luiza. “Amor, é cama de casal ou de trio?”

“Só de casal. A gente casou no intransitivo.”

“Tem certeza? Não quero comprar errado e depois ter que ir na loja trocar!”

“Ai Rá, certeza, né! Compra hoje, tá? Eu vou passar com a Marya num restaurante do shopping pra gente tirar uma foto com um pró-seco na mão. Depois vou emoldurar.”

(Espumante em shopping center chique? Marya já antecipava a reação da parentada invejosa quando publicasse a foto.)

“Tá bom. Aproveita e passa no mercado? Tá faltando sal pro churrasco gourmet de hoje à noite.”

“Ih, Rá; a receita do sal expirou, lembra? Precisa ligar pro Dr. Juliano.”

“Caralho, amor! E agora??”
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