O homem é um animal. Racional, é verdade, mas ainda assim partilha com os demais animais toda uma estrutura biológica: instintiva, sensitiva, metabólica, etc. Sentimos fome assim como um cachorro ou um macaco sente fome. Ser animal é parte do que somos. Nosso corpo, e as inclinações e tendências que dele decorrem, apontam para funções naturais, biológicas, que temos que cumprir para continuar a viver e preservar nossa espécie. Seria desumana, irreal, angelical, uma ética que fosse contra, por exemplo, o ato de comer. Afirmar isso não é, nem de longe, propor a ética igualmente desumana que nega nosso lado espiritual e afirma que devemos perseguir apenas os bens do corpo. Há um justo meio a ser buscado, e ele inclui corpo e alma. Negar ou contrariar as finalidades naturais que temos em nós é errado para um ser humano; ou seja, é algo que nos faz menos humanos; menos animais racionais.
Peguemos, então, um membro do nosso corpo para mostrar a aplicação prática disso: por exemplo nossos pés e pernas, que podemos chamar de nosso sistema locomotório. Alternativamente, podemos falar não dos membros em si, mas dos atos que por meio deles efetuamos: andar e correr. Esses atos são naturais para nós (claro, um homem anda de maneira diferente à de um cachorro; um mesmo tipo de função natural se expressa de diferentes maneiras segundo as diferenças de natureza). Analisemos essa função natural tendo em vista sua(s) finalidade(s) própria(s).
Ora, a finalidade dos atos de andar e de correr, e por extensão das pernas e dos pés, é a locomoção. Usamo-los para ir de A a B. É para isso que temos pernas; e se nossas pernas ou nosso ato de andar, por algum defeito, não cumprissem essa função, seriam inúteis. A locomoção é, portanto, a finalidade primária do andar. Mas ela não esgota todas as potencialidades que o ato contém. Há também uma outra função que decorre dessa: ao andar, exercitamos e fortalecemos nossas pernas e nosso sistema cardio-respiratório. Assim, podemos falar dessa outra finalidade, secundária, do ato de andar ou correr: o exercício físico.
Não há necessidade de se prender muito a essa nomenclatura de fins primários e secundários; basta notar que ambos existem e que um decorre do outro: ao nos locomover, ao ir de A para B, também nos exercitamos e melhoramos nossa saúde.
Assim, não há problema nenhum em que uma pessoa ande pela rua, não com a finalidade expressa de chegar a algum lugar, mas apenas com o intuito de se exercitar. É evidente que, ao fazê-lo, ela está plenamente aberta à finalidade locomotória de seu ato: ela vai de fato de um lugar a outro, cumpre a função biológica inseparável ao exercício de caminhar, ainda que esta não seja seu objetivo naquele momento. Não é incomum que uma pessoa saia para dar algumas voltas de jogging no quarteirão e termine no mesmo ponto do qual saiu, e não há nada de errado nisso.
Há, contudo, algumas pessoas que não se contentam em desempenhar essa função natural e insistem, por algum motivo, em tentar cumprir uma das finalidades do ato de andar negando a outra. É o que acontece quando, artificialmente, separam exercício e locomoção. Por meio de um aparelho artificial, chamado "esteira rolante", essas pessoas desempenham um exercício ao mesmo tempo em que frustram deliberadamente a função locomotória. Suas pernas se movimentam conforme o processo biológico, mas o aparelho, colocado ali propositalmente, faz com que o indivíduo fique exatamente no mesmo lugar a cada passada. Aí temos uma clara violação da lei moral natural: a frustração deliberada da finalidade do ato de andar, ou seja, uma violação de uma das finalidades que decorrem de nosso ser. Em última análise, trata-se de um ato contrário à natureza humana.
Vejam, não se trata, de maneira alguma, de uma condenação do exercício físico! Ele é bom e louvável. Mas ele deve ocorrer dentro do contexto natural em que se expressa: a locomoção. Também não se trata de dizer que a pessoa age imoralmente toda vez que mexe as pernas e não sai do lugar. Suponhamos que uma pessoa tente andar num chão muito escorregadio e, por isso, não saia do lugar. Se a pessoa não teve a intenção de fazer com que o chão ficasse escorregadio para frustrar a locomoção que decorre naturalmente do ato de andar, não haveria falta moral nenhuma. Digamos que um proprietário de terreno o tenha coberto de gelo para promover um concurso de patinação. Nada há de errado que, encontrando-se no meio do terreno, ele dê vários passos em falso, sem sair do lugar. Agora, se ele for para o meio do piso de gelo com a intenção de andar sem se locomover, daí sim estará cometendo uma falta moral. O motivo, como já expliquei, é simples: nossa natureza animal atende a diversas finalidades necessárias para que vivamos de forma plena segundo aquilo que somos. Frustrar qualquer uma delas é negar parcialmente, na prática, algo daquilo que somos por natureza. É, ademais, um ato irracional, pois se age de forma a atingir um fim A ao mesmo tempo em que se sabota o fim A.
Esse juízo moral se aplica àqueles que usam seus pés e pernas para andar frustrando deliberadamente a finalidade locomotória do ato de andar. Mas podemos ao menos dizer, no caso deles, que o movimento que praticam ao andar ainda é natural: seus pés e pernas se movem da maneira adequada, e a finalidade desse movimento só não é atingida por causa de um aparato artificial posterior ao ato que acaba negando sua natureza. O que dizer, então, de uma pessoa que, num ato de pura perversão anti-natural - movida sem dúvida por um preguiçoso hedonismo -, usa seu pé descalço para pegar (ato próprio das mãos; não é preciso ser doutor em biologia para sabê-lo!) uma caneta que caiu no chão?