Por algum motivo obscuro circulou nas redes sociais esses dias uma notícia de 2007 sobre o projeto da "Bolsa-estupro", que dará dinheiro para que mulheres estupradas que tenham engravidado decidam ficar com o filho ao invés de abortá-lo. O projeto ainda tramita pelo legislativo; quem sabe um dia passe.
O que mais chama a atenção é como todos os que o linkaram davam mostras de estar profundamente chocados e indignados com a proposta. Mas indignavam-se com o quê, exatamente? O projeto não tiraria o sacrossanto direito da mulher de matar o feto. Apenas seria um incentivo do Estado para que ela pensasse duas vezes e tomasse uma decisão em prol da vida. Será que seriam igualmente contrários à proposta de que o Estado financiasse a decisão de abortar?
Na verdade, todo mundo que considera o aborto algo genericamente mau, dramático, que traz sofrimentos à mulher, ainda que defenda o direito da mulher de escolher, deveria ver a lei com olhos benévolos. Afinal, não são os próprios defensores do direito do aborto que dizem que "ninguém é a favor do aborto; defendemos a escolha", que ele é um mau infelizmente necessário às vezes e que causa grandes sofrimentos à mulher, etc.? Então por que todo esse ódio, rapaziada? A reação virulenta só traz à tona um aspecto muito sombrio do movimento pró-aborto: para seus partidários, não interessa só garantir a escolha, mas insistir que a opção concreta pelo aborto é preferível. Sim, eles deixam às pobres religiosas ludibriadas o direito de carregar e criar o nenê/parasita, mas não têm a menor dúvida de que, para uma mulher bem-resolvida, a opção correta fora dos casos de gravidez planejada é sempre o aborto, e portanto influenciá-la na direção contrária é errado. E por isso se escandalizam tanto com um projeto de lei como esse.
Eu, no entanto, embora seja contra permitir aborto em caso de estupro, sou contra a lei. Primeiro porque será o negócio mais fácil do mundo de ser fraudado. E segundo porque sou contra transferências estáveis de renda por meio do Estado. Quem quiser ajudar as vítimas de estupro a não abortar, ajude-as; ou então ajude um milhão de outras causas igualmente nobres que existem por aí; a escolha é sua.
Sim, sou contra o aborto mesmo em caso de estupro. Afinal, o feto é um indivíduo vivo da espécie humana e distinto da mãe. É um ser humano, e tem todas as características que um ser humano tem nesse estágio de seu desenvolvimento. O direito ao aborto deveria ser decidido caso a caso para os casos de risco de vida da mãe. Se uma pessoa coloca em risco sua vida diretamente, é direito seu se defender, com força letal se necessário. Aceitar a morte para que o filho nasça é um ato que pode ser heróico, mas não é moralmente obrigatório.
No mais, proibamos todos. O feto que resultou do estupro é tão inocente quanto a mãe. O sofrimento psicológico dela, por pior que seja, não justifica que se tire uma vida inocente. Na verdade, não justifica nem que se tire uma vida culpada. Pensemos no caso da vítima de estupro que, futuramente, mate seu estuprador. A situação dela é perfeitamente compreensível, e saber que aquele homem que a estuprou continuava vivo e impune vivendo feliz pela Terra deve sem dúvida causar-lhe grande sofrimento; mas não justifica o assassinato, que continuará sendo um ato criminoso. Para além disso, cabe questionar a premissa de que o filho gerado no estupro seja mesmo o horror que afirmam os militantes. Desafio alguém a encontrar uma mãe que se arrependa de ter dado à luz o filho; conheço, ao contrário, muitos depoimentos de mães que amam seus filhos provenientes de estupro, e agradecem todos os dias por ter tomado a decisão de levar a gravidez adiante. O filho é antes um auxílio na superação do trauma do que um prolongamento torturante dele.
Enfim, não ao bolsa-estupro; mas podemos concordar que a intenção por trás dele é boa?