Quando alguma iniciativa ou estudo é feito sobre a população mundial, geralmente ele acaba caindo em dois extremos: a ideia de superpopulação e a de diminuição dramática da população. Pelo lado da superpopulação temos geralmente grupos de eugenistas, progressivistas e ambientalistas; e já do outro lado temos grupos religiosos ou defensores de valores tradicionais e planejadores que ficam alarmados com as projeções usando como base a evolução e contexto atual.
De certa forma os dois grupos pecam por desenhar um cenário catastrófico, quando a coisa em geral tende a se estabilizar sozinha com o tempo; mas isso com certeza não dá dinheiro para pesquisas e muito menos agrada os planejadores governamentais, que acreditam que algo deve ser feito, geralmente se esquecendo que sempre algo é feito, mas sem a ajuda de burocratas.
Mas o que me motivou a lembrar dessas discussões sobre população foi o documentário “DemographicWinter” (disponível na íntegra). É um bom documentário, e apesar de ser algo sério – com presença de renomados cientistas -, ele peca fazer uma montagem que passa um tom alarmante. Mas isso acaba não comprometendo muito o documentário, já que eles conseguem levantar as causas do declínio populacional que vem se desenhando, principalmente nos países da OCDE.
As causas principais segundo eles são a invenção dos métodos contraceptivos, a entrada da mulher no mercado de trabalho, aumento do número de separações, casamentos tardios e o custo de ter que criar vários filhos. Todos esses pontos realmente podem estar ajudando a desenhar o fenômeno de declínio no número absoluto da população mundial, mas acredito que eles tenham ignorado talvez a maior causa desse declínio: o Estado de Bem Estar Social (EBES).
Apesar de num primeiro momento parecer que o EBES estimula o crescimento populacional, existes alguns detalhes que fazem o efeito ser inverso. O que fica aparente é que como o estado garante saúde, educação e toda uma série de benefícios, as pessoas não precisam se preocupar com o perigo de terem vários filhos, porque o restante da sociedade vai pagar por grande parte dos gastos que eles vão gerar. Esse ponto pode até ser verdadeiro em países como o Brasil, como ocorreu na época dos auxílios do Getúlio Vargas que fez as famílias terem mais filhos, assim como o atual Bolsa Família. Mas em países com o EBES mais amplo e funcional, como o Japão e a Europa, a população vem declinando cada vez mais rápido, mesmo com uma rede maior de proteção.
E como Eu disse acima, existe uma consequência não intencional do EBES, que é minar valores como a família e a comunidade. Devido às pessoas terem em mente que em alguma necessidade o estado vai socorrê-las, elas não precisam mais se esforçar tanto para fortalecer os laços com a família. A família e a comunidade ficam mais fracas porque os membros não dependem mais entre si em alguma situação negativa.
Então ao mesmo tempo que o EBES gera incentivos para ter filhos (acredito que esse incentivo seja pequeno em países desenvolvidos), ele gera um incentivo muito maior ao comportamento contrário a família e a comunidade. Pode-se usar como exemplo a diferença entre a sociedade chinesa e a europeia. Na China, como não existe um sistema para garantir requisitos mínimos para os idosos e doentes, as pessoas dependem da família para recorrer nesses momentos. Por isso os chineses desejam ter mais filhos, porque assim eles vão poder contar com um maior número de pessoas. Já os europeus estão tendo cada vez menos filhos, e em mais de 60% dos lares não há mais crianças, combinado que uma parte crescente da população não mora mais aonde nasceu.
Identificado o problema, devemos considerar essa situação ruim? Devemos intervir para alterar essa situação? Devemos usar o estado para intervir em um problema causado por uma intervenção estatal? Bem, em geral mais pessoas significa que há mais espaço para ganhos de escala, mas Eu não sei até que ponto uma variação pequena pra baixo na população mundial possa influenciar isso. O documentário tenta também passar a ideia de que o capitalismo depende de aumento de população para continuar criando riqueza, o que não é verdade; o que importa mesmo são os ganhos de produtividade.
Mas já que as pessoas acabam pensando em intervir de qualquer maneira utilizando o estado, acredito que a melhor forma de resolver isso seja através da abertura completa desses países para a imigração. Com isso, pessoas com baixa produtividade poderão anular o efeito do custo de criar um filho decorrente da mulher focar no mercado de trabalho, já que o custo de ter uma babá vai reduzir drasticamente, além de esses novos entrantes virem de uma situação que os leva a valorizar a família, aumentando as taxas de natalidade. Mas sem a redução da amplitude do EBES, no longo prazo esse problema vai voltar a acontecer. E Eu não poderia deixar de comentar a medida mais comum utilizada para aumentar as taxas de natalidade, que é dar dinheiro diretamente ou incentivos monetários para casais que queiram ter mais filhos. Como esperado, isso funciona (mas não tanto quanto esperavam), mas a um custo muito alto e fica muito claro que as pessoas que não tem filhos estão sendo obrigadas a criar os filhos de outras pessoas.
Sobre não estar funcionando como os planejadores esperavam, isso pode ser o efeito da desintegração da instituição da família e da comunidade. Eu particularmente não tenho admiração por esses valores, mas creio que seja evidente que eles são a chave para entender a dinâmica das populações; pois esses declínios ocorreram pelo mesmo motivo nas civilizações romana e grega. Além disso, a diminuição da influência da religião pode estar contribuindo pra isso diretamente ou contribuindo por meio da desintegração da família que costuma acompanhar a falta dela.
Por fim, sendo um pouco não ortodoxo, tenho um motivo relevante para ver com bons olhos essa redução da população. Se a evolução da tecnologia ocorrer como os Transhumanistas planejam, o que conhecemos como morte terá acabado por volta de 2050. Com isso, se a colonização do espaço não se tornar uma realidade até esse momento, uma população estável será algo desejável, porque apesar dos ganhos de produtividade terem conseguido até o momento sustentar com alimentos e energia uma população crescente, isso tem um limite (que acredito que esteja longe).
Bônus: Talvez alguém ainda não tenha visto o filme Idiocracia que fala sobre o tema em uma comédia nada inteligente, mas muito divertida.