Sociólogos ainda não chegaram a um
consenso sobre o rolezinho. São jovens pobres querendo apenas brincar, fazer um
barulho; como qualquer jovem. Ou então representam uma classe oprimida que
tenta se fazer ouvir. No fundo, tanto faz. Reivindicação social é coisa
legítima; lazer sem maiores pretensões também.
Mas olhemos o outro lado da
questão: o shopping center. Ele tem o direito de existir? Em outras palavras:
lojistas têm o direito de trabalhar, e frequentadores têm o direito de passear
num espaço confortável, seguro e o qual sustentam voluntariamente? Não estou
perguntando se shopping é uma coisa bonita, ou se seria a opção de um povo
culto e educado. Estou perguntando se, dado que esse é o desejo de muitos, se
eles podem exercê-lo. Em nossa sociedade, a resposta é sim.
Sendo assim, a administração do
shopping tem o direito de impedir usos de seu espaço que inviabilizem seu
funcionamento. A reunião programada de milhares de jovens ouvindo música alta, lotando
todas as passagens e não comprando nada faz justamente isso. Portanto, o
shopping tem o direito de impedir que ela ocorra (o que não lhe dá carta branca
para usar violência).
Para alguns, os méritos da causa
rolezeira devem ter prioridade sobre os desejos de administradores, lojistas e
clientes. Mas esses mesmos observadores, se forem consistentes, perceberão que
há muitas causas – quiçá legítimas – circulando por aí, e que não dá para
conceder direitos a uma e não a todas.
Que tal um rolezinho vegano em churrascarias?
Centenas de veganos se reúnem, lotam a casa e pedem apenas água a tarde
inteira. O investimento feito pelo dono, o emprego de quem ali trabalha e os
clientes a quem a casa visa a servir serão sacrificados porque um grupo
desaprova aquela prática e resolveu se manifestar.
Um passo além: um grupo evangélico
lota uma peça de teatro considerada imoral e vaia o tempo inteiro, impedindo a
performance. Aposto que os mesmos sociólogos que veem com bons olhos o
rolezinho funkeiro teriam opinião mais ambivalente quanto ao rolezinho
evangélico; que não deixaria de ser, afinal, manifestação de uma classe baixa
perante uma elite que a exclui. No fim das contas, valeria tudo; qualquer causa
– real ou apenas imaginada por intelectuais – poderia se impor sobre a vida
prática de qualquer um.
Simpatizo com o rolezinho, embora veja-o
mais como lazer provocador do que como “luta de classes”. Acho também que uma
dose de desconforto pode fazer bem à classe média e à elite, quem sabe
enfraquecendo preconceitos. Podemos debater longamente os méritos dessa e de outras
causas – a leitura marxista da sociedade, os direitos dos animais, o papel da
religião na cultura. Tudo isso importa. Mas nada disso deve exigir o sacrifício
do direito mais fundamental de decidir acerca da própria vida com os próprios
recursos, que é o mecanismo básico de funcionamento da sociedade, anterior a discussões filosóficas. Eu adoraria ver um shopping acolher o rolezinho. Não
posso, contudo, negar-lhe o direito de barrá-lo.
Publicado originalmente no Diario do Comércio em 24/01/2014.