quinta-feira, 15 de agosto de 2013

A Verdade antes e depois da Internet

Google search: "sacrifício humano funciona?"

Gustavo Nogy apontou um problema real na Internet: a informação nem sempre é confiável. Isso pode levar governantes e/ou militantes de alguma causa a querer controlar o fluxo de informação online, para garantir maior veracidade.

Não nego as afirmações acima; só acho que, quando se fala da difusão de erros na Internet, é importante falar também das ferramentas e dos meios disponíveis para se corrigi-los, que também são produto do meio online. Eles existem, bem debaixo de nosso nariz, e estão sempre em operação, de modo que, no meu diagnóstico, estamos numa situação melhor para conhecer a verdade e corrigir erros do que estávamos antes do advento da Internet (ou mesmo nos anos anteriores à chamada revolução 2.0 que começou com Wikipedia e Youtube).

Nogy menciona a farsa da feminista no Jô, compartilhada por diversos perfis da direita facebookiana. Faltou mencionar que muitos perfis partilharam, nos dias que se seguiram, o desmentido. Da mesma forma, qualquer um que se deu ao trabalho de procurar por conta própria também viu que era mentira. Só acreditou, talvez, quem não se importava com a informação - ou quem queria avidamente que ela fosse verdadeira. Esse é o ponto chave da informação na internet: quem se interessa - quem usa aquela informação - quase sempre descobre a verdade. As pernas da mentira são ainda mais curtas no mundo online.

Quem tem algum traquejo de Internet não cai em notícia falsa. Bota no Google, procura outras fontes, sites confiáveis (há sites dedicados a testar lendas urbanas, como o Snopes; sem falar do poço sem fim de dados e fatos que é a Wikipedia). Quem não tem, de fato, acredita até em notícias do The Onion e do R17. Nos "bons e velhos tempos", quando a Veja publicava a sério notícias de 1o de abril de revistas americanas (sim!), vai saber quantos não foram os enganados, e por um tempo bem mais longo.

A Internet apenas fez cair o véu de uma ilusão. A ilusão de que o tamanho e a notoriedade de um veículo era garantia de informação relevante e de qualidade. O mundo pré-internet era dominado por grandes funis da informação. Esses funis, deve-se admitir, eram (e são) menos propensos a erros e mentiras do que blogueiros escrevendo o que der na telha; ainda assim, erravam (e erram) muito, sem que quase ninguém pudesse corrigi-los. Ao mesmo tempo, havia mídias menores e até marginais: o enorme mundo das revistas de banca, das publicações autônomas e institucionais, etc. Aqui também grassavam chutes absurdos, erros grosseiros, factoides. E ocasionalmente acertos, trabalhos investigativos audazes.

A distinção entre os dois mundos se dava por critérios exteriores: a grande mídia era respeitável por ser a grande mídia, ter a tradição e o poder a seu lado. Nem se dava ao trabalho de responder às maluquices que se opunham, mesmo porque responder já era dar às opiniões contrárias uma visibilidade indevida.

Na Internet, a reputação é volúvel e muito mais dependente da performance. Estão em jogo os argumentos, a segurança das fontes; e sites diferentes estão sempre prontos a questionar ou ratificar o que outro afirmou. A reputação está sempre em construção, como deveria ser, e não há carteirada do grande portal que possa silenciar um humilde blog se este tiver uma informação verdadeira. Sendo assim, informação é gerada por muito mais fontes: o número de erros aumenta, e o de verdades também; e o de refutação de erros também.

Tomemos um exemplo de informação falsa pré-Internet: a Cientologia. A Cientologia fez todo seu estrago num mundo sem Internet. Sem meios de checar se aquilo que lhes era dito era verdade ou não; com apenas alguns comentários desdenhosos da grande mídia, muita gente era facilmente cooptada para essa seita maluca. Agora, com Internet, a primeira coisa que alguém que foi abordado por um cientólogo pode fazer é jogar no Google. "Xenu? Oi?".

O mito de que até Colombo se acreditava numa Terra achatada está aos poucos caindo - graças à Internet. E mesmo um fenômeno de desinformação que nasceu online - o filme Zeitgeist - já conta com refutações bastante divulgadas, seja no Youtube, seja em fóruns de discussão, seja em sites como o Cracked. Sim, erros têm mais liberdade para serem criados, mas também são neutralizados com mais velocidade. É só pensar em todo o arsenal de lendas urbanas que só hoje, como Snopes e Wikipedia, podemos desmentir em poucos minutos de pesquisa.

Cada pessoa tem os sites nos quais confia, tem suas redes de contatos com quem discute ideias, tem seus interesses que guiam a seleção do conteúdo que lerá e assistirá. A seleção da informação é agora feita por cada indivíduo, e não por uma corporação que nos dá uma fatia muito fina e selecionada da informação possível. Num site como a Amazon, encontram-se avaliações de qualidade de quase qualquer livro, bem como fontes alternativas. A Internet permite o amadurecimento do critério daqueles que desejem amadurecer. E para os demais, a mesma passividade de sempre. Talvez nos choque ouvir o que dizem muitos daqueles que antes não teriam expressão pública de suas crenças; isso não nos permite intuir que, num passado dominado pela mídia dos anos 90 (alguém lembra do nível a que éramos submetidos então?), essas crenças mais razoáveis ou mais educadas.

O medo de que a verdade seja coberta por uma multidão de erros num ruído incontrolável não tem se confirmado. Temos mais variedade de informações e opiniões - o que implica, indiretamente, erros, mas também um cenário muito mais saudável de divergências intelectuais - e informações falsas e mentiras duram muito menos do que duravam quando passavam pelo filtro dos grandes veículos. E passavam.

A chave, repito, é o interesse do leitor. Quem vai atrás, encontra. E quem não vai; bem, esse já era facilmente enganado pela grande mídia, e continua presa fácil de correntes do Facebook e citações espúrias (em geral, é gente que não está à vontade no meio online). E não é ele, não é o mínimo denominador comum, que deveria guiar nossas preocupações.

A livre produção de conteúdo por amadores só tem ajudado na geração e divulgação de informação. Os jornalistas diplomados que se cuidem; a demanda por seus serviços não depende mais de diplomas, mas da qualidade do que podem oferecer.
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