sexta-feira, 20 de junho de 2014

A sabedoria na greve do transporte coletivo


Quando lemos sobre as greves nos deparamos sempre com a mesma temática. Disserta-se sobre política, trânsito, política, direito, política, ética, política, urbanismo, política, transporte e política. Mas pouco é percebido acerca do modo como os homens vivem. Perde-se oportunidades valiosas em entender um pouco mais sobre como pensamos e agimos. Há um lado bom na greve. Poucos conseguem ver. Para entender como ela proporciona o exercício do cérebro, temos de entender o cotidiano numa grande cidade.

A rotina numa grande cidade é marcada pelo compromisso e pelo comprometimento. Há horário para tudo. Existe uma agenda a ser concretizada. Os estudos, o trabalho, o almoço, a academia, o lazer e as compras são todos adequados à nossa maneira de estruturar nossa vida ordinária. Numa cidade complexa há horários diversos. São infinitos os arranjos.

Entretanto, os arranjos pessoais dependem de condições externas aos esquemas e anseios internos de cada indivíduo. É por este motivo que uma greve, como a do transporte coletivo, torna a vida de praticamente a totalidade dos indivíduos um caos.

A greve, porém, tem um lado bom. A greve nos força a pensar. A greve nos retira do cotidiano. Do estancamento da rotina. Que beleza maior há do que a possibilidade de inventar o novo? De remodelar-se?

As reclamações sobre o trânsito, sobre ter de mudar o caminho para onde quer que se esteja indo, estão permeadas por uma vontade de não mudança. Deseja-se que o universo seja sempre o mesmo, que tudo esteja sempre no mesmo lugar. A realidade não é assim. Quando se contempla o mundo ao redor percebe-se que a todo instante faz-se necessário alterar os planos.

O homem tem a necessidade de organizar o mundo, que por sua vez é caótico. Não entender esta caoticidade faz com que o indivíduo caia em alguns extremos. Em primeiro lugar não há de se relativizar tudo por conta da dinâmica existente. Em segundo lugar, a insistência no controle leva necessariamente ao sentimento de impotência em poder controlar tudo e todos. É este desejo de universo controlado que mais se sobressai quando vemos o horror estampado na face daqueles que ficam desorientados diante de uma situação nova.

Quando uma pessoa amada morre, termina o amor, não se passa na entrevista, na prova ou no exame, o que fazer? É preciso recalcular a rota. Às vezes voltar e seguir outro rumo. Outras vezes basta fazer uma conversão à direita e seguir para o mesmo alvo por outro caminho. Quando uma ponte cai você procura outra ponte, toma um barco, vai a nado ou simplesmente não atravessa. É o mesmo dilema da pedra no caminho, tão popular e banalizado, mas pouco compreendido em sua essência.

A greve dos transportes coletivos é sábia. Mostra o quão estamos viciados em nossos planos e em nos adequar aos planos de terceiros. Mostra ao trabalhador que ele pode não ir trabalhar quando outros fatores o impedirem. Mostra ao patrão que ele não pode contar com todos os funcionários sempre. Mostra a ambos a necessidade de conhecer rotas alternativas.

A greve nos transportes é sábia. Escancara a quem quiser ver o modo como estruturamos a nossa vida. Além disso, mostra exatamente como é a condição de viventes. Mostra que não há segurança nos planos. Evidencia que a condição humana é a de esgueirar-se em meio as tempestuosas adversidades.

Por conta disto tudo, pode-se amar a greve. Ame a greve! Ame quando a vida te forçar a se reinventar. Contemple, mas não a inércia da pacata existência que te retira a possibilidade de escolher, errar, acertar, mudar, viver.
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