Devo alertar a juventude de que quando lhe
falam todas essas coisas como de descobertas de nosso tempo, estão zombando
dela: essas novidades são tão velhas quanto deploráveis quimeras.
François-René
de Chateaubriand, Ensaios sobre as
revoluções, 1797.
A atual ascensão daquilo que se
poderia chamar de uma espécie aparentemente contraditória de “nova mentalidade
conservadora” brasileira traz um fato curioso e, ao mesmo tempo, flagrante: se
de fato existiu doutrinação ideológica, então os “novos conservadores” são
frutos de anos de inculturação promovida
pela mentalidade progressista de esquerda. Oferecendo-nos, assim, uma ideia
razoavelmente clara do esgotamento do projeto revolucionário que visava a realização do novo homem e do bem utópico.
Deste modo, os “novos conservadores”
são os próprios “filhos da revolução” cultural. Pois são os herdeiros diretos da
precária e distorcida política pedagógica na qual o país foi construído e
submetido ao longo de décadas. Neste sentido, não há nessa nova geração de
conservadores nada do refinamento intelectual e moral típicos da verídica tradição
conservadora que eles alegam defender e herdar. Nenhum sinal da prudente
aptidão que deve servir de exigência mínima a conduzir uma reacionária
resistência.
Fazer esta exigência poderá até soar
como pedantismo. Entretanto, a exigência intelectual e moral para ir a público
defender uma genuína tradição conservadora não condiz com a formação dessa nova
geração de conservadores que, em geral, tem começado atuar no debate público. É
relativamente fácil, a partir do advento da internet, tomar consciência da
existência de uma tradição intelectual e moral conservadora a fim de constatar
que, no Brasil -- de fato --, carecemos dessa formação.
Só que a experiência do tempo do novo
afã conservador não coincide com a experiência do tempo de formação intelectual
e de preparação moral necessárias para fundamentar uma consistente mentalidade
conservadora de uma nação, seja no nível estético, literário, acadêmico, político e cultural. Ora,
se o Brasil sofreu um apagão cultural de intelectuais conservadores em
particular e da alta cultura em geral ao longo das últimas gerações, então não
será do dia para noite que se testemunhará o renascimento dessa tradição. A
vida intelectual é assustadoramente custosa e exageradamente penosa.
As novas e eficientes possibilidades
de comunicação proporcionadas pelas tecnologias de internet não acompanham a
demanda da preparação do intelecto. É até muito bacana e empolgante ir a um “hangout”,
ao vivo, desabafar sobre os intrincados problemas de filosofia política e da “guerra”
contra a civilização ocidental. Eu diria até corajoso e muito nobre botar a
cara à tapa e falar com orgulho sobre o significado de ser um conservador em um
país carente de produção intelectual conservadora.
Porém não se deve confundir o ímpeto da tomada de consciência com o
próprio conteúdo de uma consciência
conservadora. E os flagrantes vícios de linguagem e o maneirismo da postura
moral depõem contra essa nova geração de conservadores que, pelo menos em referências a esses aspectos, cumpre adequadamente bem o papel de “conservadores”: manter intacto -- e até prestar certo tributo à memória -- o programa político-pedagógico do
progressismo de esquerda em que foram formados. Não se pode esquecer e duvidar jamais deste dado cultural: a
“paidéia” dos novos conservadores é, hegelianamente,
progressista.
Em outras palavras, conservam precisamente
aquela pitoresca imagem que a esquerda, ao longo de todos esses anos de doutrinação, esboçou da genuína tradição conservadora. Como se o fantoche de
palha tivesse sido insuflado com a alma fabricada a partir de todos tipos de
colagem produzidos com o precário e desforme imaginário progressista acerca do
que vem a ser a verídica tradição da mentalidade conservadora e agora está aí perambulando
pelas redes sócias.
A verídica tradição conservadora repousa
e vive à luz de três noções fundamentais: reação,
prudência e ironia. Grosso modo, uma noção política e uma moral que, na
experiência mental de um conservador, não poderiam jamais viver separadas. E a ironia que deve ser adotada como o refinado espírito metodológico: um conservador precisa saber, antes de tudo, a ser o
primeiro a rir de si mesmo, ou seja, “saber esconder sua brincadeira na
seriedade e sua seriedade na brincadeira”, como diria Kierkegaard.
Reagir por reagir implicaria cair na
mesma estratégia dos adversários progressistas, pois é uma ação de “homens
ocos”, para usar uma expressão de Russell Kirk. E o mau humor do espírito
progressista foi decisivo para a emergência de gente vazia. A reação conservadora
necessita superar o frenesi inútil da mentalidade revolucionária e, por isso, tem
de se afastar do ímpeto utópico construído no imaginário alquímico das ideologias
produzidas como símbolos do excesso de gente que se leva demais a sério e nunca coloca a si mesmo em xeque.
Uma reação cega não poderia apontar
para outra coisa senão para uma espécie de hybris,
isto é, a desmesura. Portanto, a um conservador reacionário deve-se exigir a ética da prudência, caso contrário,
sua reação torna-se necessariamente
revolucionária e fundamentada apenas no violento e desgovernado impulso da
mudança pela mudança. O que seria uma vertiginosa demonstração de nunca terem feito uma radical auto-avaliação e auto-reflexão das crenças e do imaginário que acabaram de ser descobertos.
Sendo assim, se a desmesura
define-se pela incapacidade de lidar com a adequação entre teoria e prática – entendidas
neste contexto como “a tomada de consciência e o estudo da tradição intelectual
conservadora” e “a condição de possibilidade para agir como um conservador” –, então
a prudência deverá ser exigida exatamente como a experiência de mediação na
consciência de um conservador entre reflexão e ação conduzida sempre pela
espirituosa capacidade de rir de si mesmo. Em outras palavras, prudência e
ironia se impõem como as únicas possibilidades de realização do “bem
factível” de homens reais e razoáveis vivendo e reagindo em um mundo real.