Uma lei interna, inconsciente, governa meus votos. Posso ter a opinião que for sobre os candidatos, posso detestar o Serra (e detesto, por ele ser ávido pelo poder, um centralizador e inimigo do livre mercado); mas, na hora de digitar o número na urna, sai 45. Nas poucas vezes em que eu não o fiz me senti mal, como se aquele voto por algum outro partido fosse um pouco condenável. Isso significa que meu superego é tucano? (Minha única esperança de me livrar desse hábito é se o Liber conseguir suas 500 mil assinaturas e aparecer nas urnas...)
Nessas eleições de prefeito, quem mais capturou minha imaginação foi a Soninha. Ela é a única candidata que é um ser humano de verdade, e não um produto embalado por uma equipe de marqueteiros. Soninha tem facebook, tem site, tem até formspring; se alguém faz uma pergunta em seu facebook, costuma receber resposta. E não é a resposta de um assessor de marketing fingindo ou deixando ambíguo se é ou não o candidato que está falando; é a própria Soninha ali, dizendo o que pensa. Ela realmente diz o que pensa. Serra / Haddad / Russomano / Chalita têm respostas prontas para tudo. O entrevistador usou o termo "saúde"? Ah, então é só soltar o discurso pronto e repetido ao infinito sobre como eu vou fazer mais AMAs ou UPAs ou formar cuidadores. O tom de voz, as frases, o sorriso, foi tudo pensado por uma equipe de marqueteiros; o político é só o veículo. Seu discurso não reflete o que ele realmente pensa, ou o que ele realmente vai fazer, mas simplesmente aquilo que tem o maior potencial de ganhar o maior número de votos possível.
Soninha, não! Ela diz o que pensa mesmo. E em geral o que ela pensa não é lá muito bom, mas é genuíno, sincero. Ela está num constante esforço de ouvir e formular ideias, propor e testar soluções, etc. Ela é a única candidata que não olha nos seus olhos e mente com a frieza de um con artist. Isso a deixa menos preparada que o político comum para um debate (pois todos aqueles números que todos eles fingem dominar escondem o principal fato da ação política: não há critério objetivo e nem indicadores epistemologicamente seguros para eles tomarem todas as decisões sobre o uso do dinheiro) - fiquei chateado ao ver, nos únicos dois minutos de debate que assisti, ela levando a pior do Paulinho da Força. O que ela propunha na saúde? Prontuários eletrônicos, comunicação mais eficiente e rápida; uma mudança sensata e que de fato evitaria muitas perdas desnecessárias. Só que é algo que evidentemente não soluciona o problema (insolúvel, posto que todo mundo morre, e se morre é porque teve um problema de saúde que não foi curado) da saúde. Já Paulinho da Força tinha os números na manga: alugar 3000 leitos de hospitais privados, resolvendo o problema sem ter que construir novos hospitais. Será que tal ação seria factível? Será que existem tantos leitos ociosos na rede privada, ou será que cada novo leito alugado pelo Estado significará uma pessoa a menos sendo atendida na rede privada, o que no fim das contas significa que está tudo igual? Não saberemos, pois Paulinho da Força nunca será eleito.
A ideia que a Soninha defende do pedágio urbano não é má em si. É uma tentativa meio canhestra do Estado de imitar o funcionamento do mercado, cobrando pelo uso das ruas, e abolindo assim idiotices plenas como o rodízio municipal. Se ela estivesse associada a uma redução do IPVA, de forma que a arrecadação de prefeitura ficasse no máximo igual (de preferência diminuísse, mas sonhar com isso numa democracia é quase utopia milenarista), teria meu apoio imediato. As pessoas pagam menos para simplesmente ter o carro em sua garagem e mais para guiá-lo nas ruas nos horários de maior trânsito; faz todo o sentido. Ela querer sincronizar mais semáforos também é uma medida necessária e que inexplicavelmente tem demorado a ocorrer.
Enfim, a candidatura da Soninha tem muito desse novo tipo de mentalidade de buscar a eficiência nos processos, o que é muito positivo. A liberação da maconha, que não fumo e nem pretendo fumar, vem aí como um bônus: um aceno a uma causa liberal. Infelizmente, ela ainda é carregada de slogans e lugares-comuns da esquerda. Outro dia alguém a interpelou, não sei se no facebook ou no formspring (sim, isso ocorre com a Soninha, e é um grande mérito, na minha opinião), dizendo que "bicicleta é transporte individual, a gente tem que pensar no coletivo", ao que Soninha respondeu: "Sim, a prioridade é sempre do coletivo". Esse tipo de demagogia me desanima. E talvez em parte por esse tipo de inconsistência, por essa indecisão sobre romper total e irremediavelmente com a forma de se fazer política e, ao mesmo tempo, ainda se prender a chavões e a algum populismo tímido, ela não tenha crescido nada nas pesquisas desde o início do ciclo.
Mas o que Soninha representa é, na minha talvez ingênua esperança de deslumbrado com a internet e com o fim das barreiras institucionais à comunicação de massas, o que a política deveria ser e virá a se tornar: embate de ideias. Candidatos, cada um com suas ideias sobre como melhor gerir as coisas - ciente de que elas podem não agradar a uma parcela da população e mesmo assim sem abrir mão delas - tentando persuadir racionalmente o eleitorado. Não sei se foi por falta de dinheiro ou por opção (tem gente que, mesmo sem dinheiro, joga o jogo patético do marketing político: Levy Fidelix), mas sou grato também por não ter ouvido sambinha ou forró com seu nome nas rádios.
Soninha, ainda não foi dessa vez. É com pesar que o declaro mas, amanhã, agradarei meu superego e digitarei 45. Que o seu exemplo de político sincero, aberto, dando a cara a tapa sem medo, falando besteira de vez em quando, mas sempre valorizando a inteligência do eleitorado, torne-se cada vez mais popular. É o único compatível com uma população inteligente.