domingo, 4 de setembro de 2011

Noções de Etiqueta para Filósofos Acadêmicos

Muito mais difícil que o meio-termo da virtude ética é o meio-termo da virtude etiquética. O que faz sentido, pois é mais fácil achar o ponto certo na grande (ética) do que na pequena (etiqueta). Vejam só o caso da pronúncia dos nomes estrangeiros. Abrasileire demais, e você se mostrará um iletrado rústico. Fale corretamente, e será um pedante.

Começo com um caso vulgar, isto é, de fora da academia: o Facebook. Entre os extremos de "fêisbuk" (que mostra como você se acha melhor que o interlocutor por falar inglês e é muito chique por passar o feriado em Miami) e "fasseboóque" (ocorrência que nunca encontrei de fato, pois quem fala assim deve, no máximo, usar orkut), está a forma normal, urbana, cosmopolita "fêicibúqui". Nem muito aos EUA, nem muito ao Brasil.

As faculdades de filosofia não ficam para trás em matéria de etiqueta. Muito pelo contrário: pequenos deslizes, aparentemente inocentes, podem significar o fracasso da vida acadêmica de um aspirante ingênuo. Um comentário mal pensado, uma expressão de opinião pessoal contrária ao que demanda o bom gosto, e o clima social que envolve o estudante cai a temperaturas baixíssimas e duradouras.

Os nomes dos filósofos (dos quais, nem preciso dizer, não há um que seja em português) são um campo minado para o jovem que deseja ascender socialmente e adentrar o excitante mundo dos minúsculos jogos de poder e disputas de ego ferozes que compõem um universo acadêmico saudável.

Descartes.

Se o nome do insigne francês soar em seus lábios como uma jogada de baralho, pode dar adeus à sonhada iniciação científica: você está descartado. Por outro lado, fale em francês puro e o resultado será o mesmo: o professor tomará sua pronúncia como um desafio à sua autoridade, uma hubris a ser punida com a devida nemesis. Pois veja: só depois de alguns anos num pós-doc na que outrora chamava-se Sorbonne é que você conquista o direito de falar "Dêcarrt". A única exceção é se você for um dos puxa-sacos oficiais (a qualificação é importante; escreverei sobre isso em edições futuras) de um professor que já conquistou e se utiliza desse direito, caso no qual o afrancesamento não é nem sequer opcional, mas obrigatório. Para os demais, sigam pelo caminho estreito do meio: as formas "Dêcarts" ou "Dêcart" (ambas com r fraco!) criam um equilíbrio perfeito entre o francês arrogante e o brasileiro chucro.

Regras similares se aplicam a Heidegger (o elegante é "Ráideguer", não "Ráid-garr" e muito menos "Eidejér"), Locke ("Lóqui", e não "Lók" ou "Lôque"), Bacon ("Bêicom" e não "BêicãN" ou "Bacôm") e todos os outros posteriores ao florescimento das línguas nacionais. Entre antigos e medievais vale ainda um sistema mais simples, herdado de nosso passado luso: a tradução.

Você leu primeiro aqui: a tradução do nome é, em si, extremamente deselegante (e desnecessária, dado o método acima traçado). É apenas o costume de séculos que, viciando nossos ouvidos, nos acostumou com nomes como Platão. Agora vá aos diálogos dele em edições da Metrópole e sinta como a mesma tradução produz resultados de ranger os dentes: Critão, Menão, e claro, o pior de todos, Fedão. Pois você acha que Platão soa melhor do que esses? É a força do preconceito enraizado.

Os lusos levaram adiante esse expediente rude que é a tradução, se atrevendo a grafar nomes como o do artista Miguel Ângelo (nós mesmo seguíamos esse costume em épocas menos polidas), o do economista e filósofo Carlos Marcos, do utilitarista João Duarte Moenda e - cereja do bolo - do bardo imortal Guilherme Balança-a-Lança. Mas sobre tais gafes, como diria "Vitiguênstáim" (evite pronunciar o "s" como "sh"), é melhor calar.
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