J. M. Guzzo conseguiu o que queria com seu artigo "Parada Gay, Cabra e Espinafre" na Veja: provocar quem já a odeia e assim ganhar exposição. O título dá a entender algo, o texto quando (mal) lido dá a entender algo, mas é algo que não está lá. Em nenhum momento a homossexualidade é tomada por doença e em nenhum momento equipara-se o casamento gay ao incesto ou à bestialidade, e nem se argumenta que, liberado aquele, esses eventualmente também o serão. O artigo, na minha opinião, é ruim; mas não pelos motivos que se alardeiam. Esses são apenas a prova de seu sucesso.
As comparações que Guzzo faz não equiparam, em momento algum, a homossexualidade às outras coisas citadas. O que ele faz é apenas mostrar que a homossexualidade partilha com elas de alguma característica, sem disso inferir - o que seria plenamente falacioso - que elas se equivalem em qualquer outro plano.
Deixem-me exemplificar: andam dizendo por aí que é um absurdo não comer capim, pois capim é verde, que nem brócoli, e nós comemos brócoli. Acontece que, ao contrário do que dizem essas pessoas, existe uma série de coisas verdes que nós não comemos: etezinhos (E.T.s pequenos), por exemplo. Falta a esses itens, capim e etezinhos, o essencial para algo ser comida: ter proteínas. É claro que comer capim é só uma burrice e comer etezinhos é uma barbaridade intergaláctica, mas isso não vem ao caso neste exemplo: ambos têm as mesmas características de serem verdes e não comestíveis, e isso basta. Você pode até discordar, e dizer que não, etezinhos não são verdes, são azuis. Ou então argumentar que não é preciso ter proteínas para ser alimento. Ambos são válidos. Mas não tem motivos para se escandalizar com a comparação, feita num âmbito muito preciso e que não "transborda" para nenhum outro tipo de equiparação ou equivalência.
Da mesma forma, Guzzo diz que, muito embora homossexuais possam constituir relações estáveis, isso não os qualifica para o casamento. Afinal, outros tipos de casal também constituem relações estáveis (homem e cabra, mãe e filho), mas nem por isso se qualificam para o casamento. Portanto, não basta qualificar-se como relação estável para se estar apto a casar. Pode-se questionar muitas coisas aí; mas a comparação, ou melhor, a equiparação que chocou a tantos simplesmente não foi feita. Então deixem a lindíssima, a idolatrada indignação moral de lado um pouquinho e usem esses belos olhos e cérebro sedentos de justiça para ler o que está escrito.
O que a mim parece ser a verdadeira fraqueza do texto do Guzzo é que a base do argumento é fraca. No fundo, basicamente reafirma a lei existente. Casamento é só entre homem e mulher. E daí, quem disse que essa lei é a melhor, ou mesmo boa? Uma diferença entre essa relação e a homossexual é apontada: essa gera filhos. Ora, a incestuosa os gera também; por que eles não podem? Mas há casais sabidamente estéreis (uma mulher que se case depois da menopausa); por que eles podem se casar se a reprodução é o fator determinante? E o dia em que a tecnologia permitir que um homem engravide de outro homem; daí o casamento gay passará a ser legítimo e deverá ser instituído pela legislação? Pode parecer absurdo, ou mesmo indecente, questionar as práticas legais atuais mesmo no que diz respeito ao incesto; mas podem ter certeza que, indecente ou não, se a única coisa impedindo o reconhecimento legal de um relacionamento for o costume de não aceitá-lo, essa restrição está com os dias contados. Nossa sociedade não adere mais à premissa conservadora de que, se algo foi instituído por gerações passadas e durou muito tempo, então elas devem ter tido bons motivos ainda que nós não os conheçamos. Da mesma forma, mesmo para quem é contra o casamento gay, não basta dizer que sempre foi assim ou que a lei o define assim; é preciso mostrar por que a união heterossexual é superior e digna de um reconhecimento único. A reprodução sozinha não dá conta do recado.