Rapaz, caso complicado! Duas considerações iniciais: 1) O que o sujeito (Daniel) fez foi errado; não se deve agir libidinosamente com alguém inconsciente, com ou sem penetração, usando-a como um brinquedo sexual. 2) Levantar a questão do racismo é uma tática vergonhosa - e, felizmente, ineficaz - para desviar a discussão para uma completa irrelevância; ainda mais por ele ser do tipo negro (ou mulato) bonitão, boa pinta, que gera antes simpatia do que ódio racial.
Dito isso, pensemos na situação em que o casal se encontrava: ambos bêbados (ela mais do que ele), ficaram, ela o levou para a cama, e adormeceu. Ele, que certamente já devia estar bem ouriçado, só levou o ato até o fim, da parte dele. Acho que linha seria muito clara se houvesse penetração (estou supondo que não houve, que é o mais provável), pois fazer isso com uma mulher dormindo, por mais interessada no sujeito que ela possa estar, é claramente uma violação séria, mesmo porque o corpo tem que se preparar para uma relação sexual. Mas a bolinação pode aparecer como uma área cinzenta. "Afinal, ela não tem que fazer nada, é só comigo, e ela queria mesmo, e eu estou aqui todo pilhado" - lembrem-se que quem pensa isso também já está alterado pelo álcool. Some-se a tudo isso o fato dos homens em geral não terem muita noção de como um ato desses será encarado pela mulher no dia seguinte.
E se a própria vítima dissesse: "Pois é, eu estava desacordada, mas não ligo não. Levei ele pra cama mesmo, acabei dormindo, entendo que ele tenha ido até o fim; não me importa."? Isso mudaria algo? Para alguns, o fato dela não se lembrar do ocorrido já configura estupro. Não me parece ser o mais relevante. Afinal, muita gente que fica bêbado não se lembra do que fez no dia seguinte; mas isso não quer dizer que o que tenha feito não tenha sido, em alguma medida, voluntário (voluntário o bastante para tornar uma relação "consensual"). Pois e aqueles casos em que ambos, o homem e a mulher, estão trêbados, vão para a cama, têm a relação e no dia seguinte não se lembram do que ocorreu? Se falta de memória é prova de estupro, então seria esse um caso de estupro duplo? E se a mulher se lembrar, mas o homem não, terá sido a mulher que estuprou o homem? O fato da inconsciência é que me parece ser o mais relevante. Mas é possível dar consentimento prévio, ou tácito, nesses casos? Se a própria mulher não liga, pode-se dizer que foi contra a vontade dela?
Pelo critério de certa moral feminista, qualquer passo na interação sexual tem que ser precedido de um consentimento explícito da mulher. Sem isso, presume-se estupro. Esse critério tem consequências sérias para a relação entre os sexos. Pois tradicionalmente essa relação sempre se dá SEM consentimentos explícitos; e é da essência dela que seja assim. O homem que pergunta à mulher pela qual ele se interessa "Posso te beijar?" antes de agir, ou ainda "posso botar a mão na sua cintura?" quase com certeza receberá um "Não". Pois se ele é do tipo que precisa da certeza antes de agir, se não sabe tomar riscos, não interessará à maioria das mulheres. Ou seja, a transgressão de barreiras faz parte do jogo entre os sexos. A mulher quer que ele aja sem que ele saiba se ela quer ou não. E vou mais longe: a própria decisão dela sobre se ela o quer ou não está em aberto até que o ato se consuma. Assim, um homem pode vencer as barreiras que uma mulher coloca em seu caminho, mudando a reação inicial dela que seria de rejeitá-lo; é por isso que se diz que ele a conquistou. E essa conquista se dá pelos atos, às vezes levemente contrários à vontade inicial da mulher queira impor. No fundo, ela paradoxalmente quer que ele a conquiste, isto é, que transgrida com sucesso sua vontade inicial; e só assim se renderá.
(O mesmo, aliás, vale para um casal já estabelecido. Propor o ato sexual, ali, no duro, pode destruir o clima necessário para que ele ocorra.)
Esse tipo de dinâmica abre espaço para abusos e violações? Abre. Tudo depende do contexto. Há nãos que são sim, e há nãos que são, verdadeiramente, não. É preciso saber distinguir os dois. A transgressão tem que se dar sempre num nível em que, se se perceber que a resposta da mulher é totalmente negativa, nenhum dano tenha sido feito; e isso varia a cada contexto. O jogo trabalha com feedbacks constantes de respostas não unívocas, como são na verdade a maioria dos sentimentos humanos.
Adotar o critério feminista é acabar com o jogo do romance; substituir a troca ambígua pelo contrato. Na moral não-feminista, o álcool aparece como um facilitador das relações, dando mais coragem a eles e baixando as inibições delas. Para o critério moral feminista, o álcool é apenas como uma fonte de problemas, pois dificulta ou impossibilita o consentimento pleno e claro, chegando ao limite de afirmar que qualquer mulher que tenha relações sexuais um pouco embrigada já pode se considerar vítima de estupro.
O sexo no feminismo se reduz à animalidade; por isso mesmo, arrisco, a defesa simultânea de toda bizarria sexual imaginável. O grupo se encontra, todos de comum acordo, firmam o contrato, se arregaçam, e volta cada um para seu canto. O sexo nem é precedido, e nem dá origem, a qualquer vínculo ou interação romântica tácita. Aliás, esse tipo de vínculo romântico é ele próprio visto com maus olhos, pois nele homens e mulheres desempenham papéis diferentes.
Curiosamente, certas visões de mundo altamente retrógradas, que vêm no romance nada além de pecado (nada além de bestialidade disfarçada), até se coadunam à moral feminista. Sinais trocados, mas a mesma consequência prática. Para o puro corpo e para o puro espírito, o romance não faz sentido; é uma instituição que cabe apenas a seres formados de corpo e alma.
O que disso se pode concluir do caso do BBB? Nada. Só que o debate e o inquérito todo se beneficiariam de mais bom senso e nuance. Pintar o ocorrido como uma mulher que foi, contra a sua vontade, usada sexualmente por um homem é, no mínimo, forçado. Dado o contexto, ela deu diversos sinais de consentimento; e, no mundo real, fora das salas de departamento de estudos do gênero, o que temos para nos guiar são sinais. Na hora H o cara atravessou um pouco a faixa; mas isso é muito diferente de um estupro.
PS: Tendo dito tudo isso, ainda levanto o ponto de que essa discussão nem tocou no principal problema moral da coisa toda, que engloba muito mais do que esse caso como todo o BBB e toda a cultura da qual ele faz parte: será que essa relação com o sexo e o prazer sexual como os valores superiores é a melhor para o ser humano?