quarta-feira, 24 de julho de 2013

Uma Defesa Cética da Homeopatia

Não acredito em homeopatia;
mas que funciona, funciona.
Volta e meia algum grupo de céticos ou de defensores da ortodoxia médica organiza um "suicídio coletivo" por overdose de homeopatia. O suicídio falha e todo mundo festeja a refutação de mais uma pseudociência. Alguns querem-na banida das farmácias e dos consultórios.

Médicos homeopáticos não se deixam intimidar; afinal, pelo mecanismo proposto pela homeopatia, uma overdose não deve mesmo ter efeito algum. (E uma infradose, menor do que a proposta pelo médico? Seria ela perigosa?). Ainda assim, os céticos provavelmente têm razão: os vidrinhos de homeopatia líquida contêm água ou álcool; as pílulas, açúcar. E é isso.

Toda a teoria homeopática é anterior à medicina moderna. Foi formulada antes que se soubesse que micro-organismos causam doenças. A teoria de que a diluição do princípio ativo potencializa seu efeito carece de qualquer base. Depois que se provou que as substâncias não são infinitamente diluíveis, e que a partir de certo ponto o esperado é que não sobre nem uma molécula do princípio ativo num frasco, foram boladas teses ainda mais inverossímeis, como a da memória da água, que também carecem de fundamentação. 

Nada disso deterá o crente; pois, dirá, apesar das dificuldades teóricas, o negócio funciona. Funciona? O teste da experiência casual é falho; se aceitamo-lo no caso da homeopatia, por que não no caso da sangria, prática terapêutica consagrada por milênios de experiência, e que na verdade piorava a saúde do paciente? (Curiosamente, o sucesso empírico inicial da homeopatia se deveu exatamente ao fato de que, nos hospitais homeopáticos, não se aplicavam tratamentos nocivos como a sangria). A experiência não rigorosa, informal, do dia a dia, não é nada confiável para aferir a eficácia de tratamentos médicos. Além disso, apesar da resistência dos homeopatas em testar seus métodos, os resultados de testes empíricos rigorosos apontam que sua taxa de sucesso não supera a de tratamentos com placebo.

É possível que esses estudos estejam errados, assim como boa parte da física, química e biologia modernas, e a homeopatia realmente funcionar pelos motivos alegados por homeopatas? É. Mas até que isso seja provado, é mais razoável crer que o remédio homeopático seja inerte mesmo, e que não passe de placebo. A questão é que pode ser um excelente placebo.

Por trás de um mesmo nome, escondem-se efeitos de intensidades muitos diferentes. Quando um feiticeiro aborígene australiano aponta um osso de lagarto na direção de um outro membro de sua cultura e recita uma fórmula mágica, este morre em poucos dias. Não porque os rituais tenham poderes sobrenaturais ou estejam baseados em crenças verdadeiras, mas porque a mente humana é poderosa, e dependendo do significado que diferentes eventos têm em uma cultura, os efeitos que eles produzem podem ir muito além do que a análise físico-química permite prever.

Nesse sentido, a homeopatia está muito bem colocada para produzir efeitos placebo. A bala de açúcar é o menos relevante; o que importa é tudo o que a rodeia. O contato frequente com um médico que conhece o paciente e se importa com ele, tentando desenvolver um medicamento único; a aparência de um processo científico e tecnológico por trás (em nossa cultura, essa percepção conta muito); um remédio do qual se toma muitas doses e com o qual se deve tomar várias precauções (já encostou nas bolinhas homeopáticas de algum conhecido para ver como ele reage?); por envolver um tiquinho assim de magia e mistério, abre nossa mente para efeitos ainda maiores do que a banalidade que é a ciência convencional. Por fim, é uma terapia que conta com crença generalizada na sociedade, sendo aceita até mesmo por instâncias oficiais do poder. Mesmo quem não crê nela tem aquele pingo de dúvida, resto de insegurança; e se for real...? Para o placebo, essa aceitação subconsciente e a contragosto já basta; talvez seja até melhor.

Assim, digo que a homeopatia é farmacologicamente inócua. Mas funciona. Funciona como placebo, e faz um ótimo trabalho nesse quesito. Por isso, não há por que ser tão contrário à ela. Para todas aquelas doenças que a mente humana sozinha é incapaz de curar, não deve de forma alguma ser usada à exclusão de tratamentos convencionais. Mas em conjunção com eles, ou sozinha para aqueles problemas mal-definidos e pouco conhecidos nos quais a própria mente está diretamente envolvida (seja como causadora involuntária, seja como fator curador), pode ter grande valia. Muitas pessoas, depois de anos infrutíferos na alopatia, passam para a homeopatia e se curam de males como alergias, indisposições, etc. Como placebo, como gatilho de efeitos psicológicos curativos, a homeopatia pode ser superior à alopatia. Não duvido que funcione até para céticos como eu. O efeito placebo ocorre mesmo quando se sabe perfeitamente que se toma um placebo, desde que se acredite que o efeito placebo funciona. Se minhas alergias piorarem, é para lá que eu vou.

Portanto, céticos, procurem algo mais útil para combater! Se, graças a seus esforços, a homeopatia perder seu efeito (como ocorre com muitas crenças tradicionais depois do contato com o homem branco, ou com remédios antigos dentro de nossa própria sociedade), e não tivermos nada para colocar em seu lugar, nossa saúde terá piorado, sem que nosso conhecimento tenha avançado um centímetro sequer. Até o dia em que consigamos produzir em tratamentos reais os mesmos efeitos placebo das medicinas alternativas (aumentando, talvez, o cuidado nos rituais e convenções que os rodeiam?), deixem o pajé, a rezadeira e o homeopata em paz! Cumprem o mesmo papel que o médico alopata, e custam bem menos ao nosso bolso.
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