terça-feira, 7 de agosto de 2012

O que Querem as Mulheres?

Minha geração tomou contato com as redes sociais justamente na passagem da adolescência para a vida mais ou menos adulta: entre o fim do colegial e meados da faculdade, época em que se vai aos poucos descobrindo como agir e se colocar no mundo por conta própria, sem nenhuma máscara ou demanda institucional ou familiar. Talvez a isso se deva o fenômeno paradoxal de exibicionismo e paranoia da era dourada do Orkut.

Inicialmente, todo o conteúdo do Orkut era livremente acessível a todos. Amigos ou desconhecidos xeretando seu perfil podiam ver todas os seus scraps, fotos e vídeos. Todo mundo sabia disso. Uma menina que colocava fotos no Orkut (às vezes fotos de decote, biquini etc.) sabia perfeitamente que qualquer um poderia vê-la; e dado o alto grau de promiscuidade online e fascínio com a rede social, ela sabia perfeitamente bem que havia muita gente (provavelmente ela também) navegando pelos perfis de conhecidos, semi-conhecidos e desconhecidos, no mais das vezes por pura curiosidade ociosa. Premissa implícita: ela não se importava em - ou queria ativamente - ser observada.

Vejam, contudo, que curioso: um belo dia (em 2006, se não me engano), o Orkut implementou uma nova função que permitia ao usuário saber as últimas pessoas que acessaram seu perfil. O rebuliço foi geral. As mesmas pessoas que sabiam que seus perfis eram públicos agora ficavam assustadas ao saber que, bem, o público os tinha frequentado. Lembro de uma amiga comentando sobre o "medo" ao constatar que um sujeito de outra classe que nem a cumprimentava no corredor tinha recentemente visitado seu perfil. Não tardou para que o Orkut permitisse restringir o acesso dos perfis apenas a amigos (opção implementada especialmente pelas mulheres, que têm bons motivos para se preservar mais do olhar de estranhos); e o que antes era campo livre para a investigação dos curiosos virou área restrita. Assim acabou a onda inicial da promiscuidade informativa das redes sociais, e o Orkut perdeu a graça.

Escolhi esse fenômeno da nossa história virtual para falar de algo que me parece ser recorrente no mundo real: uma contradição interna de muitas mulheres na relação que elas estabelecem entre seu corpo e sua relação com as demais pessoas. A mulher usa minissaia e decote; mas no momento que alguém faz um comentário, ou repara ostensivamente no corpo dela, sente-se invadida e amedrontada.

Nossa aparência é o que aparece para outras pessoas. A decisão de como se vestir e como agir em público   sempre passa pela reação que o público terá. Muitas vezes, a roupa é escolhida justamente para gerar um certo tipo de reação. Exemplos óbvios: camisetas com logo de banda ou com mensagens. Nesse caso, a intenção é comunicar algo de que o usuário gosta, e dessa forma mostrar também que tipo de pessoa ele é; gerar uma identificação (ou às vezes repulsa, dependendo do meio em que ele está) em quem o olha. Outro exemplo: roupas sexualmente provocantes. Elas visam a despertar o interesse sexual em quem olha a pessoa (por uma série de motivos, talvez biológicos, talvez culturais, em geral essa pessoa é mulher). Querer se fazer bonito é querer se fazer bonito para outros (mesmo quando queremos estar bonitos para nós mesmos, estamos nos olhando no espelho, projetando e pensando o que um outro ideal pensaria de nós). E no caso das mulheres, beleza não significa apenas ter a beleza angelical do rosto, mas ser gostosa. Não nos enganemos quanto a este fato.

Deixemos em aberto, isso sim, se há algo de moralmente condenável em querer ser gostosa (e, da parte do homem, em desejar o corpo feminino). Noto apenas alguns limites que me parecem inescapáveis: condenar essa forma de lidar com o corpo alheio como intrínseca e gravemente imoral implica a burqa e o confinamento feminino, que são as medidas que minimizam os riscos de se olhar e desejar o corpo da mulher. Por outro lado, não ver nada de errado em qualquer nível de apelo sexual nas relações humanas dá vazão desenfreada para instintos nossos que com muita facilidade tomam conta da pessoa, e que inviabilizam toda uma série de compromissos e ideais caros à vida humana, sem falar que aumentam muito a propensão a realmente usar e abusar do outro como instrumento de prazer carnal. Dada a força do prazer sexual, não é nada difícil que ele domine totalmente os horizontes do indivíduo.

Enfim, deixemos o juízo moral de lado. O fato é que há muitos tipos de roupa feminina cujo objetivo é provocar o desejo sexual masculino. Elas são produzidas e vendidas com essa finalidade, muitas delas constituindo até mesmo o traje profissional de prostitutas, já que cumprem bem a função de vender o corpo da usuária (isto não é para insinuar que haja equivalência entre uma mulher que se vista de uma maneira e uma prostituta; aliás, rejeito categoricamente essa equiparação). Uma criança pode usar essas roupas sem a menor ideia do que elas significam; mas uma mulher já em idade sexual não tem nem um segundo de dúvida. Nossas roupas transmitem mensagens aos outros; mensagens que queremos transmitir (ou então usaríamos outra roupa). Se você vivesse totalmente isolado/a do mundo, vestir-se-ia com cuidado, usaria maquiagem, ficaria asseado/a? Você por acaso já passou um fim-de-semana sozinho/a sem sair de casa? Então você sabe a resposta.

Claro, assim como seu cartaz...
Não duvido que a mulher da foto acredite ser sincera. Isto é, não acho que ela esteja mentindo, ao menos não no nível do discurso verbal. Ela só não fez questão de investigar muito a fundo os motivos de suas próprias ações. A ingenuidade do feminismo da Marcha das Vadias está em achar, ou fingir, que esse nível verbal da consciência e dos desejos é tudo o que deveria existir nas relações humanas, numa espécie de separação radical entre alma e corpo: como eu me visto e ajo não tem nada a ver com o que desejo e com a reação que os outros deveriam ter a mim. O mundo não é tão simples.

Vivemos num estranho pacto social: é perfeitamente aceitável que uma mulher se vista de forma a provocar o interesse masculino, e ninguém vê nada de errado nisso, contanto que nenhum homem demonstre interesse. Se alguém fizer algum comentário, ou olhar descaradamente, a mesma mulher que se vestiu para ficar gostosa sentirá medo. Foto do decote na capa do perfil não tem problema nenhum, desde que todo mundo finja não reparar. E não é sem razão: o homem, ao dar alguma vazão (limitada: estamos falando de olhares e comentários) a seu desejo, já age de forma agressiva. A relação romântica e o sexo heterossexual, afinal, têm uma relação de dominação: ativo e passiva, dominador e dominada; invasor e invadida; a própria mecânica dos órgãos é essa. E, acredito, ela é espelhada pela dinâmica do relacionamento romântico entre homem e mulher.

Como eu disse, a mulher não está mentindo; ela não está sendo hipócrita. Há uma real inconsistência, ou ambiguidade, em suas intenções. Por um lado, em algum nível meio fantasioso, ela quer provocar o desejo, quer provocar o instinto dominador de algum homem abstrato; por outro, ela morre de medo de provocar esse instinto em um certo homem concreto pelo qual ela não tem interesse nenhum. Mas nossa aparência não é seletiva; não posso me vestir para provocar um efeito apenas em uma pessoa, apenas em algum príncipe encantado. Essa pode ser minha intenção ingênua, mas o fato é que provocarei reações em todas as pessoas que me virem, e não tem como eu não saber disso. Para piorar as coisas, justamente as pessoas que menos pudores têm de demonstrar seus desejos animais não costumam ser príncipes encantados.

É verdade também que há mulheres gostam de receber a atenção masculina; gostam dos homens que têm coragem de violar algumas fronteiras (não todas, claro, a não ser que consideremos casos patológicos como o de uma mulher que gostasse de ser estuprada) para demonstrar interesse claramente sexual. Mas o mais normal, pelo menos até onde eu vejo, é o contrário: receber esse tipo de avanço sexual (um olhar aberto, ostensivo, ou um comentário lascivo), na imensa maioria dos casos, seria muito desagradável.

Aqui a diferença com os homens é enorme: pois eu, se algum dia alguma mulher do nada demonstrasse ostensivamente algum interesse sexual em mim (filosoficamente, é permitido considerar cenários impossíveis para testar suas implicações), embora eu repudiasse o avanço, não posso dizer que me sentiria invadido ou tivesse algum medo; pelo contrário, sentir-me-ia lisonjeado. A diferença, creio, está em que o avanço sexual do homem é uma invasão; e o da mulher é um convite. E o mesmo convite pode ser feito de forma passiva, pelas roupas e jeito de ser, mesmo sem intenção (tanto é que algumas mulheres, cientes de seu poder de atração, usam e abusam de trejeitos e flertes para manipular os homens, sem qualquer interesse em realmente ter relação sexual com eles), ou de forma ativa - comentários, cantadas - sem deixar de ser um convite. No final das contas, fico com o paradoxo de que a mulher quer ser conquistada, mas não por qualquer um, e não contra sua vontade. Mas se é conquista, não tem que necessariamente haver algum elemento de oposição da vontade envolvido?

Em suma, os atos parecem dizer uma coisa, mas quando a mensagem recebe sua reposta natural, o desejo se inverte. Mulheres que lêem esse blog, talvez vocês possam me ajudar a entender se isso tudo faz sentido de sua perspectiva. Posso estar completamente equivocado, e os pensamentos acima talvez reproduzam apenas uma visão construída para os homens. Ao mesmo tempo, não posso negar o que minha percepção das coisas me mostra sem ter bons motivos para tanto.
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